O grito de uma prateleira? 776

Se olharmos para os dicionários, é habitual a distribuição aparecer lado a lado com as definições de comércio e tráfico. A verdade é que o comércio tem sido envolvido inúmeras vezes numa aura nem sempre benevolente, devido à sua ligação direta aos interesses económicos. Já Aristóteles afirmava que «todo o indivíduo que faz do comércio a sua profissão suprime-se do número dos verdadeiros homens». Santo Tomás de Aquino é outro crítico do comércio, se bem que admita que, se os lucros forem empregues no sustento da família e o socorro dos indigentes, a atividade seria «lícita». Naturalmente que não podemos esquecer que, pelo menos até final da Idade Média, era habitual considerar-se que o exercício de qualquer profissão que não fosse a das armas ou do sacerdócio era tido como inferior.

Talvez por influência destas visões, à Distribuição, mesmo dentro da própria Gestão, foi habitualmente dada uma importância menor. Havia a preocupação com o preço, com o produto e as suas características, com o público a que este se dirigia, mas a Distribuição era vista apenas como algo necessário para que o processo se concluísse e nada mais. A Distribuição era apenas o sítio onde se tinham de colocar os produtos para que o consumidor os pudesse adquirir.

No entanto, o tempo e as mudanças sociais encarregaram-se de dar uma volta nesta visão e hoje qualquer marca sabe da importância de seduzir o consumidor no local de venda. Aliás, diversos estudos revelam mesmo que a maior parte das decisões de compra de uma marca são tomadas já dentro da loja.

Não podemos deste modo estranhar que, na aparente mudez dos lineares, exista um “vendedor” que nos diz de diversos modos para comprarmos. Mas é também por isso que, enquanto consumidores, lhe devemos responder com o grito silencioso que constitui o mais ousado dos atos: pensar.

João Barros,

Professor Convidado na Escola Superior de Comunicação Social e                                           Investigador no Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa