O legado de um SNS totalmente integrado 798

Tecnologia de informação em saúde (TIS) é um fator-chave para o desenvolvimento dos ecossistemas de saúde. O termo refere-se a sistemas de gestão da informação, geralmente desenhados para aumentar a eficiéncia e eficácia dos serviços, reduzir custos e prevenir erros médicos. Registo eletrónico de saúde (RES) e sistema de suporte de decisão (SSD) são dois exemplos amplamente utilizados. O primeiro termo refere-se ao registo da informação do paciente e sua condição médica em uma base de dados eletrónica, enquanto que o último está relacionado aos aplicativos de auxílio aos profissionais de saúde na tomada de decisão.

Em Portugal, a adoção de TIS no SNS iniciou-se nos anos 80. O Sistema Mínimo de Informação Médico-Administrativa no Internamento (SMIMAI) era uma combinação de registos em papel e posterior digitalização da informação. A partir de 1990, aquele sistema foi substituído pelo Sistema de Gestão de Doentes Hospitalares (SONHO), que está em vigor até hoje. Sistemas de suporte aos profissionais de saúde foram adotados no início dos anos 2000,  nomeadamente, o Sistema de Apoio ao Médico (SAM) e o Sistema de Apoio à Prática da Enfermagem (SAPE), bem como sistemas de gestão de cirurgias, tempo de espera na fila, cuidados de longo prazo, sugestões e reclamações, entre outros.

Sendo assim, Portugal já ultrapassou, a semelhança de outras nações desenvolvidas, a primeira e segunda ondas de adoção de tecnologias. Essas ondas concentraram-se na automatização de processos altamente padronizados e repetitivos, bem como na integração das diferentes partes dos processos. Mas é preciso fazer mais e melhor: alcançar a terceira onda, da digitalização completa do mercado de saúde, focada nas necessidades dos pacientes, bem como padronizar nacionalmente os processos já adotados. Um exemplo de integração é o caso do Centro Hospitalar de Lisboa Central e o Hospital Curry Cabral, descado no texto “Os cidadãos no centro do sistema, os profissionais no centro da mudança”, o relatório final de 2011 do Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar.

Ora não é fácil realizar a digitalização completa e os motivos não são poucos: atender as exigências do sistema de regulação em vigor; satisfazer os requisitos de  privacidade de dados; percepção por vezes equivocada sobre a opinião dos utentes em relação à adoção de tecnologias. A empresa McKinsey & Company realizou um estudo com o objetivo de entender a real necessidade dos consumidores, em termo de adoção de TIS e alguns dos resultados são bastante surpreendentes: as pessoas não utilizam serviços de saúde digitais, porque eles são de baixa qualidade (e não por receio em relação a privacidade do serviço prestado); pessoas de todas as idades estão dispostas a utilizar servições de saúde em formato digital (embora os canais de acesso variem conforme a faixa etária).

A Plataforma de Dados da Saúde, criada em 2012,  é o início desta era de partilha de informação entre o paciente e os profissionais de saúde, que deve ser fortalecida através de marcos regulatórios, com definição clara das responsabilidades para o armazenamento e consulta de informação, a fim de obter um sistema de saúde completamente integrado. Sendo assim, cabe ao utente utilizar esta plataforma, bem como ao Estado colocar este tema no seu eixo estartégico dentro do próximo Plano Nacional de Saúde.

Através da uniformização dos processo já adotados, bem como da completa digitalização do SNS, com foco nas necessidades dos pacientes se evitará, por exemplo, a repetição de exames, que não são pouco comuns quando um paciente é transferido de uma unidade hospitalar para outra, por dizer o mínimo.

Esse é um caminho factível e com grande potencial de ganhos para o desenvolvimento um sistema de saúde funcional e sustentável no longo prazo, o qual beneficará gerações e gerações. Que se crie o legado!

Gisele Braun


(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)