O papel do Farmacêutico na era da transformação digital 693

A transformação digital é uma realidade com a qual nos deparamos diariamente e que, em virtude de uma evolução célere, motivada por resultados bastante promissores, tem vindo a alterar o paradigma de diversas áreas profissionais.

Não há dúvida de que o desenvolvimento tecnológico tem, aos dias de hoje, um impacto considerável no setor da saúde, tornando-se particularmente relevante por, entre outros aspetos, facilitar processos de diagnóstico e contribuir para uma gestão mais eficaz dos recursos disponíveis, ao permitir uma simplificação da carga administrativa alocada aos profissionais de saúde.

Todavia, com a digitalização dos serviços de saúde surgem também novos desafios, para os quais a capacitação dos profissionais de saúde é um fator absolutamente determinante. Mas, será que estes profissionais têm acesso à formação de que necessitam para que se possam adaptar e, assim, usufruir corretamente destas novas ferramentas de que dispõem no seu dia-a-dia?

A verdade é que, recentemente, um estudo liderado pela Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa – NOVA FCT – revelou que os profissionais de saúde assumem ter algumas dificuldades em utilizar a generalidade das ferramentas digitais que têm ao seu alcance, desde as mais simples às mais complexas.

Como tal, num cenário em que a transição digital está em constante evolução, fazendo parte do presente e sendo cada vez mais o futuro, é necessário promover programas de formação em competências digitais dirigidos aos profissionais de saúde, tendo em conta as suas necessidades reais, com o intuito de garantir que o nosso sistema de saúde é capaz de acompanhar a inovação tecnológica e de se tornar cada vez mais sustentável e diferenciado nos serviços que presta à população.

Abordar as competências dos profissionais de saúde é, desde logo, ter como exemplo o caso particular do farmacêuticos que, para o exercício das suas funções, se munem de competências farmacêuticas, definidas, à luz da Ordem dos Farmacêuticos, como “um título que reconhece a capacidade de um farmacêutico desempenhar uma atividade ou um conjunto de atividades relacionadas com um objetivo específico ou com uma área de estudo num determinado enquadramento profissional”. Estas competências são cruciais para garantir que estes profissionais contribuem de forma eficaz para a melhoria da saúde da população, intervindo em iniciativas relacionadas com a área do medicamento e aportando valor em outras áreas igualmente fundamentais para o setor da saúde, como é o caso das análises clínicas e da genética humana, dos assuntos regulamentares, da investigação científica, entre outros.

O fenómeno da transição digital é transversal a todas as funções que, atualmente, os farmacêuticos desempenham, o que, naturalmente, requer que sejam delineadas estratégias que contribuam para que estes profissionais de saúde possam estar preparados de forma adequada para terem uma presença cada vez mais ativa e integrada no sistema de saúde e nos diferentes níveis de cuidados.

Adicionalmente, desde logo com as prescrições médicas eletrónicas e com a prestação de serviços farmacêuticos cada vez mais diferenciados, que requerem o acesso a registos de saúde eletrónicos e que preveem uma recolha de dados cada vez mais criteriosa, os farmacêuticos têm ao seu alcance a possibilidade – com características únicas de proximidade – de monitorizar a saúde dos cidadãos. Estas práticas, em estreita comunicação com outros profissionais de saúde, aliadas à interoperabilidade que se prevê ser possível, através de um sistema robusto de integração de dados de saúde, representam já novos ganhos em saúde que não se podem ignorar. Aliás, é precisamente esta democratização, no acesso a infraestruturas digitais capazes de suportar as atividades em saúde, que é necessária para que os farmacêuticos possam acompanhar as necessidades da população e manterem-se como profissionais de primeira linha na prestação de cuidados, contribuindo para a melhoria global da saúde pública e para a prevenção da doença.

Não obstante, importa reiterar que é necessário que os mesmos estejam aptos para enfrentar as oportunidades e os desafios desta nova Era, que exigem a adaptação contínua das suas competências, considerando o amplo e multidisciplinar conceito de saúde digital que interseta áreas da tecnologia e da saúde.

Os registos clínicos eletrónicos, a desmaterialização dos exames, a renovação da terapêutica crónica, a teleconsulta, a linha SNS24, as aplicações e os dispositivos wearables são exemplos das oportunidades criadas pela telesaúde que convergem para a promoção do acesso e do bem-estar. No entanto, por outro lado, a usabilidade dos sistemas e a experiência do utilizador nos novos serviços e utilidades digitais, a segurança da informação e a privacidade de dados, a integração da Inteligência Artificial e a sua regulação própria advinham-se enquanto principais desafios.

Paralelamente, e enquadrados na dimensão do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), foram alocados 300 milhões de euros à componente da Transição Digital na Saúde: investimento a considerar quatro pilares – rede de dados, cidadão, profissionais de saúde e registos nacionais -, sendo a todos comum a segurança dos dados e a uniformização e digitalização da saúde.

Todos estes fatores fazem com que seja essencial que os farmacêuticos estejam preparados para abraçar esta nova realidade e o potencial que o uso das tecnologias de informação têm na gestão da doença e dos seus fatores de risco, devendo estes profissionais adquirir competências em áreas diferenciadas, tais como: Saúde Pública, Medicina Farmacêutica, Gestão e Administração de Unidades de Saúde, Competências Digitais em Saúde, etc.

Apenas com este compromisso teremos profissionais de saúde capazes de enfrentar a mudança inerente a este processo evolutivo, de transição e de novas possibilidades. Apenas com uma visão ampla do setor da saúde olharemos para a tecnologia como uma nova aliada, que contribui para que a saúde assuma diferentes dimensões e alcance novos patamares, nos quais além de todas as competências técnicas e científicas, são cada vez mais valorizadas as competências sociais e humanas.

Francisca Gonçalves e Sandra Vieira                                                                                                                               Vogais da Direção da Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (APJF)