A importância do investimento na prevenção da doença/manutenção da saúde tem recebido cada vez mais atenção, por parte tanto dos indivíduos como dos governos dos países ocidentais. Têm inclusivamente sido implementadas medidas no sentido de promover hábitos saudáveis, nomeadamente no que concerne a alimentação. Em Portugal, veja-se o exemplo do imposto especial sobre as bebidas açucaradas, em vigor desde fevereiro de 2017. O objetivo desse imposto é reduzir o consumo das ditas bebidas, cujos malefícios para a saúde estão amplamente documentados na literatura médica internacional.
No mês passado, foram publicados dois artigos numa prestigiada revista de Economia da saúde que investigam o papel dos incentivos na promoção de hábitos saudáveis, designadamente alimentação saudável e exercício físico. O primeiro artigo analisa o sucesso do “UK Healthy Start”, um programa do governo do Reino Unido que oferece cupões para comprar fruta e vegetais frescos a famílias pobres com crianças pequenas (Griffith et al. 2018). O estudo compara famílias elegíveis (i.e. pobres e com crianças com até três anos de idade ou mulher grávida de pelo menos três meses) com famílias similares não elegíveis (i.e. pobres e com crianças de 4-8 anos ou mulher no período antes da gravidez) antes e depois do programa ser introduzido em novembro de 2006. Ou seja, os autores utilizam o método da diferença das diferenças (difference-in-differences) para identificar o efeito causal do programa. Vale a pena salientar que o “UK Healthy Start” foi implementado dentro do serviço nacional de saúde, o que facilita que a maioria das famílias elegíveis participe no programa. Para além dos efeitos diretos no consumo de fruta e vegetais frescos, o “UK Healthy Start” pode ter efeitos indiretos indesejáveis. Por exemplo, algumas famílias podem reduzir o consumo de bens substitutos, também eles relativamente saudáveis, como fruta ou vegetais congelados, ou aumentar o consumo de bens não saudáveis. Por isso, para analisar o sucesso do programa, não basta verificar que o consumo de fruta e vegetais frescos aumenta; é necessário analisar toda a composição do cabaz de compras das famílias. Para este estudo, os autores conseguem seguir quase 300 famílias mensalmente e têm informação detalhada sobre o seu cabaz de compras. Os dados provêm do Kantar Worldpanel; existe um painel equivalente com os padrões de consumo de uma amostra de famílias portuguesas. Os resultados encontrados são positivos: em média o “UK Healthy Start” parece ter aumentado o consumo de fruta e vegetais frescos, bem como melhorado a composição nutricional global do cabaz de compras das famílias.
O segundo artigo implementa uma experiência em que novos membros de um ginásio nos EUA são alocados a um sistema de incentivos (Carrera et al. 2018). Os incentivos são três: um prémio monetário no valor de 30$, um prémio monetário no valor de 60$, ou um prémio em espécie, escolhido pelo participante, com valor aproximado de 30$. Os participantes foram alocados aleatoriamente a um de quatro grupos: o grupo de controlo, em que o indivíduo recebia um prémio monetário no valor de 30$ incondicionalmente, ou um de três grupos de tratamento, em que recebia um dos prémios se fosse ao ginásio pelo menos 9 vezes ao longo das primeiras 6 semanas desde a inscrição (i.e. em média 1,5 vezes por semana). Pensou-se que ao definir como população-alvo indivíduos que mostram motivação para praticar exercício, ao inscreverem-se no ginásio, os incentivos seriam mais eficazes. O racional por detrás do prémio em espécie prende-se com um resultado importante da literatura de Economia do comportamento, que diz que nós seres humanos temos aversão à perda. Assim, se os indivíduos escolhessem o seu prémio ao inscreverem-se no ginásio, esforçar-se-iam para atingir o mínimo de idas ao ginásio para não o perderem. O estudo encontra efeitos pequenos dos incentivos nas idas ao ginásio durante as primeiras 6 semanas, e não encontra efeitos estatisticamente diferentes de zero nas idas ao ginásio após as 6 semanas. Isto é, os incentivos não são suficientes para que os indivíduos estabeleçam o hábito da prática de exercício físico. Uma hipótese apontada para este resultado é a de que os incentivos eram demasiado baixos. Mas uma hipótese talvez mais promissora é que os participantes, antes da experiência, se mostravam sobre confiantes em relação a quantas vezes iriam ao ginásio. Pensando que seria fácil atingir o objetivo das nove visitas, os participantes não terão feito o esforço necessário.
Em suma, os incentivos monetários parecem ter algum efeito na promoção de uma alimentação saudável, pelo menos em famílias mais pobres. Essas são também aquelas que potencialmente mais beneficiam, em termos marginais, de uma melhoria da sua alimentação. Quanto à promoção do exercício físico, talvez valha a pena explorar se os incentivos monetários têm um papel diferenciado segundo o estatuto socioeconómico. Para além disso, da Economia comportamental sabemos por exemplo que dar feedback frequente facilita a alteração de comportamentos, que as pessoas são fortemente influenciadas pela percepção de como a sua performance se compara com a dos seus pares, e que quando nos aproximamos de um objetivo, damos o máximo para o atingir, mas depois tendemos a diminuir o esforço. De futuro, os investigadores poderiam explorar o potencial de outros sistemas de incentivos (não monetários) que tenham em conta esses resultados.
Referências
Carrera M, Royer H, Stehr M, Sydnor J (2018). Can financial incentives help people trying to establish new habits? Experimental evidence with new gym members. Journal of Health Economics 58: 202-214.
Griffith R, von Hinke S, Smith S (2018). Getting a healthy start: the effectiveness of targeted benefits for improving dietary choices. Journal of Health Economics 58: 176-187.
Judite Gonçalves,
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)