Obsessão em medicar crianças para estarem mais atentas preocupa CNE 552

Obsessão em medicar crianças para estarem mais atentas preocupa CNE

26 de Setembro de 2016

A obsessão em ter as crianças mais atentas e sossegadas, com recurso a substâncias químicas, poderá representar um condicionamento irreversível do seu desenvolvimento cognitivo e social que nenhum medicamento poderá recuperar, alerta o Conselho Nacional de Educação (CNE).

No relatório “Estado da Educação 2015”, o presidente do CNE, David Justino, escreve que se tornou preocupante o consumo de substâncias estimulantes do sistema nervoso central, especialmente as orientadas para a superação de «supostos problemas» de hiperatividade e défice de atenção.

«O recurso cada vez mais generalizado ao metilfenidato (princípio ativo da designação comercial de Ritalina) reflete um problema que não deverá ser menosprezado», advertiu o ex-ministro da Educação na apresentação do documento, citado pela “Lusa”.

O investigador refere a venda de quase 300.000 embalagens deste medicamento, em 2014 (dados do INFARMED), para defender uma reflexão por parte dos pais, dos professores, dos profissionais de saúde e dos decisores políticos sobre as razões de «tão rápido crescimento do consumo» e sobre os efeitos que o abuso destas substâncias pode ter no desenvolvimento geral das crianças.

O CNE recorreu também a dados da Direção-Geral de Saúde para mostrar que o consumo destes medicamentos passou de 2.937.039 doses diárias em 2009 para 6.515.293 em 2013 (considerando os fármacos comparticipados e dispensados à população em regime de ambulatório).

De acordo com o relatório Saúde Mental em Números 2015, as crianças portuguesas até aos 14 anos estão a consumir mais de cinco milhões de doses diárias de metilfenidato.

O investigador nota, por outro lado, uma «assinalável tendência» para a diminuição do consumo de substâncias aditivas: «Há uma clara redução dos que reconhecem ter experimentado o consumo de tabaco e cannabis e uma tendência positiva dos que afirmam não consumir».

Os resultados apurados por este estudo relativamente às bebidas alcoólicas referem uma situação menos favorável, «ainda que a tendência seja para diminuir».

No que diz respeito ao ensino superior, o presidente do CNE assinala que há alunos e oportunidades a menos e que um dos problemas que se coloca na internacionalização das instituições é «a escassa especialização».

«As ofertas generalistas de caráter tradicional tendem a dominar, face ao desejável desenvolvimento de núcleos de ensino e investigação especializados em domínios onde as instituições portuguesas possam ser reconhecidas e com capacidade para competir com as suas congéneres estrangeiras», observa.

David Justino refere também que os indicadores de produção científica «continuam a ser moderados» quando comparados com os de países de idêntico nível de desenvolvimento económico e social.

«O facto de possuirmos alguns centros de excelência, não consegue esconder que a maioria não ultrapassa a mediania, bem como a irremediável tendência para paroquialização e enquistamento das equipas e das instituições de investigação científica», critica o presidente do CNE.

O documento, de 300 páginas, é editado anualmente pelo CNE.