A dívida dos hospitais tem sido um tema amplamente discutido nos últimos anos, e Portugal não tem escapado a essa discussão. E percebe-se porquê.
O gráfico apresenta a dívida mensal total e vencida a fornecedores externos dos hospitais EPE entre 2016 e Setembro 2018. Como é possível verificar desde 2016 que a dívida vencida tem crescido a um ritmo de 1.2% ao mês. Os leitores mais atentos poderão perguntar o que se passa nos meses em que se observa um decréscimo acentuado da dívida vencida. Esses são os meses em que o Governo injeta fundos para reduzir os pagamentos em atraso. Este procedimento tem sido recorrente nos últimos anos mas não parece resolver o problema da dívida. Afinal, qual é o incentivo dos hospitais em não gerar dívida se sabem que vai haver injeção de fundos? Aliás é curioso verificar que sempre que há o anúncio de novas injeções a dívida tem um crescimento “anormal”.
Em 2018, a Comissão Europeia (CE) emitiu um relatório onde destaca que estas injeções apesar de ajudarem a diminuir o stock da dívida não resolvem os problemas estruturais que estão por detrás desta acumulação de dívida. Entre as razões apontadas pela CE estão a suborçamentação, falta de monitorização e problemas de gestão em alguns hospitais [1].
O atual Governo, desde o início da sua legislatura, afirma que a saúde é uma das suas prioridades. Nos últimos meses o Governo tem vindo a anunciar novas medidas para tentar resolver este problema. A primeira foi anunciar que a última injeção de fundos prevista para 2018, de cerca de 500 milhões de euros, será efetuada não apenas com base na dívida vencida de cada hospital mas também com base na eficiência dos mesmos.
Adicionalmente, e já com 2019 no horizonte, o Ministro das Finanças, Mário Centeno, anunciou, na apresentação do Orçamento de Estado (OE), o lançamento de um “projeto-piloto que altera o modelo de financiamento dos hospitais: tem como objetivo redução muito significativa do endividamento destas instituições e permitir ganhos de eficiência”.
De acordo com o OE2019, este projeto-piloto prevê a divisão dos hospitais em três grupos de acordo com a sua eficiência. Os hospitais mais eficientes irão receber um orçamento mais adequado à sua estrutura de custos enquanto que os hospitais menos eficientes serão acompanhados por uma Comissão com o objetivo de identificar potenciais ineficiências e tornar estes hospitais mais eficientes. No entanto, se este projeto não for acompanhado de mecanismos de responsabilização da gestão, este aumento do orçamento dos hospitais poderá não ter impacto na redução da dívida. Neste sentido, o OE2019 prevê que a gestão seja responsabilizada pelos resultados obtidos [2], ou seja, prevê-se que os gestores recebam incentivos ou sejam penalizados de acordo com o desempenho assistencial do hospital e indicadores económico-financeiros.
Estando a suborçamentação e a falta de monitorização na base do “problema da dívida”, podemos afirmar que estas medidas são um primeiro passo para um SNS financeiramente mais equilibrado. No futuro, será importante fazer um acompanhamento e avaliação continuados deste projeto.
Maria Ana Matias
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)
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Bibliografia:
[1] Comissão Europeia, “Post-Program Surveillance Report – Portugal, Summer 2018”, Institutional Paper 087, Setembro 2018
[2] Ministério das Finanças, “OE.2019: Orçamento do Estado 2019 – Relatório”, Outubro 2018
Declaração de conflito de interesses: A autora é técnica da Estrutura de Missão para a Sustentabilidade do Programa Orçamental da Saúde (EMSPOS), e participou no desenho do projecto-piloto mencionado no texto. No entanto, as opiniões expressas no texto são da estrita responsabilidade da autora, e não representam necessariamente a perspectiva da EMSPOS.