“Não basta que a inovação exista”, é preciso que “haja orçamento para a pagar” e “condições para que os doentes a ela tenham acesso”, alertou ontem o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos na sessão de abertura da segunda edição do Encontro Proximidade-Farmacêutico-Cidadão, este ano subordinado ao tema “Acesso à Inovação em Saúde”.
Os desenvolvimentos na área terapêutica são “avassaladores”. Mas as novas tecnologias criam também “novos desafios” aos profissionais de saúde e aos doentes. “Temos novas tecnologias que usam novas metodologias, novas vias de administração, com um perfil de eficácia e de segurança diferente. É preciso que todos nós estejamos suficientemente informados para podermos rentabilizá-las ao máximo”.
Até porque os custos não param de aumentar. De acordo com Helder Mota Filipe, pela primeira vez desde 2021, o crescimento da despesa do medicamento hospitalar é de dois dígitos. A discussão sobre a sustentabilidade do sistema de Saúde, mantendo o acesso à inovação é, assim, uma questão essencial para a OF, que tem aumentado o diálogo com as diferentes associações de doentes e de utentes dos serviços de saúde.
“A inovação tem de obrigar a repensar os papéis das diferentes profissões” e nesse sentido, importa “começar a discutir de forma séria o task shifting”, ou seja, a partilha ou transferência de intervenções, para dar verdadeiramente resposta às necessidades das pessoas. “Não podemos, numa nova realidade, continuar a fazer o que fazíamos há 20, 30 ou 50 anos”, afirmou o bastonário, dando o exemplo dos novos serviços realizados pelas farmácias comunitárias, que aliviam a pressão sobre os cuidados de saúde primários e os serviços de urgência do SNS.
Jaime Melancia, presidente da Plataforma Saúde em Diálogo, que se somou à organização do evento promovido pela OF no Auditório dos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa, acentuou que “o acesso a medicamentos inovadores continua a ser motivo de descontentamento, devido aos tempos de espera infligidos aos doentes ou mesmo pela inexistência de determinados medicamentos em Portugal”. Por um lado, estas terapêuticas “podem ser a única réstia de esperança para tratar determinada patologia” e, por outro, “sabemos que são medicamentos com um preço muito elevado, o que provoca este dilema ético entre a necessidade de tratar e a sustentabilidade financeira”.
Na sua opinião, o novo regulamento europeu de avaliação de tecnologias “poderá trazer algumas vantagens no que diz respeito ao acesso mais precoce à inovação” mas tudo dependerá das condições económicas de cada Estado-membro. Importa, por isso, “refletir numa solução conjunta para um acesso mais eficaz a tecnologias inovadoras”.
Na perspetiva do presidente da Plataforma Saúde em Diálogo, essa solução conjunta passa pela “convergência de esforços entre todos os agentes do processo: investigadores, médicos, indústria farmacêutica e os próprios doentes”. Estes têm de estar envolvidos nas decisões em saúde que os afetam, “desde a investigação experimental e clínica à avaliação de novos medicamentos, passando pela avaliação e implementação de novos serviços de saúde e até nos dilemas éticos relacionados com a inovação tecnológica”.
Esta posição foi secundada por muitos dos representantes das associações de doentes representadas no Encontro Proximidade-Farmacêutico-Cidadão: Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino (APDI), Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas (LPCDR), Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), Grupo de Ativistas em Tratamento (GAT), Associação Evita – Cancro Hereditário e União das Associações de Doenças Raras de Portugal (RD-Portugal).
O encontro contou também com a presença de Rui Medeiros, coordenador do Grupo de Oncologia Molecular e Patologia Viral do Centro de Investigação do IPO Porto, e presidente do Congresso Nacional dos Farmacêuticos, que este ano vai ter lugar, entre 21 e 23 de novembro, no Centro de Congressos de Lisboa.
De acordo com o investigador e professor universitário, a equidade no acesso à inovação terapêutica e tecnológica “depende de quem paga” e também “dos movimentos que se apresentam com uma argumentação científica fiável e que, de alguma forma, ajudam à decisão”. As ordens profissionais e as associações de doentes “devem influenciar uma legislação protetora”, “fomentadora de rastreios” e de prevenção.