Ordem dos Farmacêuticos quer menos medicamentos vendidos fora das farmácias 605

Ordem dos Farmacêuticos quer menos medicamentos vendidos fora das farmácias

25 de Fevereiro de 2015

Para a Ordem dos Farmacêuticos os riscos são muitos e nunca foram avaliados, pelo que defendem até um recuo e o regresso às farmácias de pelo menos alguns dos medicamentos.

Há dez anos alguns medicamentos não sujeitos a receita médica deixaram de ser vendidos exclusivamente nas farmácias e passaram a ser comercializados em espaços abertos junto de supermercados e superfícies comerciais. Para a Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição (APED), o balanço positivo justifica que se avance mais, alargando a lista de fármacos disponíveis nestes espaços de saúde e que já representam um volume de negócios anual de mais de 40 milhões de euros. No setor há quem veja vantagens. Mas a OF não pensa assim.
 
A ideia de trazer mais medicamentos das farmácias para estes espaços comerciais, explicou ao “Público” a diretora-geral da APED, é apresentada nesta hoje no âmbito do seminário “Liberdade de Escolha no Acesso ao Medicamento”, na Gulbenkian. «Entendemos que este era o ano para fazermos um balanço e trazermos novamente para a discussão o tema da automedicação em Portugal e os impactos positivos que pode ter quer nos portugueses quer nos agentes económicos e, sobretudo, no custeio das necessidades de saúde em Portugal», afirma Ana Isabel Trigo Morais, que vê no acesso rápido uma oportunidade de resolver episódios curtos de doença.

Por agora nos locais de venda fora das farmácias podem ser vendidos todos os medicamentos não sujeitos a receita médica (MNSRM), incluindo os comparticipados, mas neste caso o cidadão perde o acesso à parte que o Serviço Nacional de Saúde pagaria. Para a representante da APED, a experiência internacional de países como o Reino Unido indica que o alargamento é o caminho certo e destaca que, do lado do consumidor, a «conveniência, horários diversificados e confiança nestes espaços» aponta no mesmo sentido, assim como os preços mais baixos nos produtos mais comuns – ainda que os dados da Autoridade Nacional do Medicamento (INFARMED) apontem para uma subida dos preços.

Ana Isabel Trigo Morais acredita que a oportunidade existe sobretudo para medicamentos para as alergias (anti-histamínicos), mas também para anti-inflamatórios e fármacos para problemas de estômago. Como exemplo do que pode mudar, refere o anti-inflamatório ibuprofeno que nestes espaços apenas existe na versão de 200mg, quando nas farmácias há em dosagens superiores.

É na automedicação que o bastonário da Ordem dos Farmacêuticos coloca a tónica, mas pela negativa. «O medicamento, seja legalmente sujeito ou não sujeito a receita médica, não pode ser encarado como um bem de consumo corrente. Não pode ser banalizado porque representa riscos para a saúde pública e é fundamental que seja garantida a sua utilização racional, segura e efetiva», defende Carlos Maurício Barbosa, que admite discordar da mudança introduzida em 2005 no Governo de José Sócrates e que «entregou um mercado às grandes superfícies que até aí não tinham e que hoje representa no que respeita aos MNSRM cerca de 40 milhões de euros por ano e o valor triplica com os outros produtos associados vendidos nos mesmos espaços».

Os últimos dados do INFARMED, relativos a 2014, indicam que existem no país 1013 locais de venda registados e que no ano passado foram vendidos fora das farmácias um total de 7,7 milhões embalagens de MNSRM, o que representa um crescimento de 4,2% em relação a 2013 (mais 314 mil embalagens) e 20% do total deste tipo de medicamentos. Em termos de valor o crescimento ainda foi maior, com as receitas a ascenderem a 41,4 milhões euros, mais 12,4% do que no ano anterior. O campeão de vendas é o paracetamol (analgésico), com quase 15% do volume. Em termos de valor a tabela é liderada pelo anti-inflamatório diclofenac, com quase 8% do total.

O INFARMED, contactado pelo “Público”, diz que não está previsto o alargamento da lista de fármacos vendidos fora das farmácias, estando o regulador a trabalhar sim no documento dos fármacos sem receita médica mas de dispensa exclusiva em farmácia – a chamada “terceira lista”. Ainda assim, «a legislação aplicável prevê uma reavaliação posterior dos medicamentos com esta classificação, a qual poderá traduzir-se no alargamento do número de MNSRM disponíveis», salienta o INFARMED.

A chamada “terceira lista” peca por «grande atraso», salienta Carlos Maurício Barbosa, que descreve que a legislação foi a Conselho de Ministros em junho de 2013. O bastonário reitera que é fundamental batalhar por mais barreiras no que diz respeito aos fármacos de dispensa exclusiva nas farmácias. Entre os casos que considera mais graves e que gostaria que regressassem às farmácias, destaca o caso da pílula do dia seguinte, mas não só. «Ou estamos do lado da defesa da saúde pública ou dos grandes grupos económicos. Desde 2005 alguém foi ver se aumentaram os problemas hepáticos dos portugueses devido ao uso indiscriminado de paracetamol? Alguém estudou se esta medida trouxe mais problemas de sangramento na mucosa do estômago derivados de analgésicos e anti-inflamatórios?», questiona Carlos Maurício Barbosa.