No contexto atual do Sistema Nacional de Saúde (SNS) em Portugal, as questões relativas à eficiência e racionalização dos recursos têm sido alvo de intensos debates. A proposta de internalização das análises clínicas, ou seja, a transferência da realização de exames laboratoriais para hospitais e centros de saúde públicos, tem sido apresentada como uma medida destinada a aumentar a eficiência do sistema e a reduzir os custos. No entanto, essa iniciativa levanta sérias preocupações sobre os impactos que pode ter na qualidade dos serviços prestados, na acessibilidade aos cuidados de saúde e na sustentabilidade dos laboratórios de análises clínicas de proximidade, que desempenham um papel crucial na organização da saúde em várias regiões do país.
A internalização das análises clínicas no SNS visa substituir os laboratórios de proximidade, independentes, que atualmente oferecem serviços especializados e acessíveis à população, por unidades de saúde públicas já muito sobrecarregadas. Embora a ideia de centralizar a realização de exames pareça ser uma tentativa de racionalizar os custos e aumentar a eficácia, ela pode ter consequências indesejadas para os utentes e para o próprio sistema de saúde. Um dos maiores riscos é o aumento da carga de trabalho nos hospitais e centros de saúde públicos, que já enfrentam desafios significativos de gestão e uma importante sobrecarga de utentes. Com o aumento da procura por exames laboratoriais, é provável que se verifique uma degradação na qualidade do atendimento, com tempos de espera ainda mais longos, o que pode comprometer a experiência do utente e retardar diagnósticos essenciais.
A sobrecarga do SNS, decorrente da internalização das análises clínicas, representa também uma ameaça aos próprios laboratórios de proximidade. Estes laboratórios têm sido um alicerce na prestação de cuidados de saúde no país, especialmente em áreas mais periféricas ou rurais, onde a oferta de serviços médicos é mais limitada. Ao serem substituídos por centros públicos, muitos destes pequenos estabelecimentos podem ser forçados a encerrar ou a reduzir drasticamente o seu funcionamento. A extinção dos laboratórios de proximidade traria consequências diretas para a população, especialmente para aqueles que dependem de serviços rápidos, acessíveis e personalizados. Os utentes perderiam a capacidade de escolher o local onde querem realizar as suas análises e perderiam uma opção crucial de proximidade, tendo que se deslocar para os grandes centros urbanos, o que poderia representar um obstáculo significativo, especialmente para os mais idosos, as pessoas com mobilidade mais reduzida ou as que enfrentam maiores dificuldades económicas. Também os profissionais destas áreas seriam confrontados com a extinção dos seus postos de trabalho.
A redução da diversidade e da concorrência, no campo das análises clínicas, pode enfraquecer a capacidade de inovação do sistema de saúde. Os laboratórios de proximidade têm sido frequentemente mais flexíveis e dinâmicos na introdução de novas tecnologias e na oferta de serviços especializados, tendo em conta as necessidades locais e os avanços técnico-científicos. A centralização das análises clínicas no SNS poderia resultar numa abordagem mais rígida e burocrática, com menos espaço para adaptação e inovação. Em vez de contar com um sistema que se adapta rapidamente às novas necessidades, o SNS poderia passar a operar com um modelo mais estagnado e com uma menor capacidade de resposta às necessidades emergentes da população.
A eliminação dos laboratórios de proximidade também poderia ter implicações significativas na formação de novos profissionais de saúde. Muitas vezes, estes laboratórios oferecem estágios e programas de formação para jovens farmacêuticos, médicos, técnicos de análises clínicas e outros profissionais destas áreas, proporcionando um ambiente de aprendizagem prático e de alta qualidade. A perda dessa rede de laboratórios pode reduzir as oportunidades de formação prática, afetando negativamente a qualidade da formação dos futuros profissionais de saúde.
É importante considerar alternativas que não envolvam a completa eliminação dos laboratórios de proximidade, mas sim a criação de modelos de colaboração entre os setores público e privado. Uma possível solução seria a implementação de parcerias público-privadas, onde os laboratórios de proximidade continuariam a operar de forma independente, mas em colaboração estreita com o SNS. Esse modelo híbrido poderia aproveitar a capacidade, a especialização, a flexibilidade e a tecnologia de ponta dos laboratórios de proximidade, garantindo ao mesmo tempo que a cobertura de exames fosse ampla e acessível a todos, independentemente da sua localização.
A internalização das análises clínicas no SNS não deve ser vista como a única solução para os problemas de gestão e eficiência do sistema de saúde. Em vez de transferir a totalidade dos exames laboratoriais para as unidades públicas, seria mais prudente que o SNS investisse na melhoria da sua própria infraestrutura e na otimização da gestão dos recursos existentes. A introdução de novas tecnologias, como sistemas de gestão informatizados mais eficientes, a contratação de mais profissionais e a melhoria dos processos internos poderiam contribuir para reduzir os tempos de espera e melhorar a qualidade do atendimento. A colaboração com os laboratórios de proximidade, poderia ser uma estratégia vantajosa para alcançar esses objetivos.
O desaparecimento dos laboratórios de análises clínicas de proximidade representaria uma perda irreparável para o sistema de saúde português. Ao serem forçados a fechar, esses laboratórios deixariam uma lacuna significativa, especialmente nas zonas mais necessitadas de serviços de saúde rápidos, acessíveis e personalizados. Além disso, a centralização das análises clínicas poderia resultar numa maior desigualdade no acesso aos cuidados de saúde, com a população das zonas mais periféricas a ser mais afetada. Uma vez extintos os pequenos laboratórios de proximidade, se se chegar à conclusão que o modelo de internalização não funciona, a situação será irreversível e esses laboratórios já não poderão voltar a existir.
Por fim, a internalização das análises clínicas no SNS é uma medida que deve ser cuidadosamente ponderada. Embora tenha o potencial de reduzir custos, pode acarretar sérios riscos para a qualidade do atendimento, para a acessibilidade dos serviços e para a sustentabilidade dos laboratórios de proximidade. Em vez de uma abordagem unidimensional, seria mais vantajoso explorar soluções que combinem o melhor dos setores público e privado, garantindo a eficiência, a proximidade e a qualidade no atendimento e na prestação de serviços aos utentes. O SNS pode tirar partido das capacidades já instaladas nos laboratórios de proximidade, aproveitando o conhecimento, os recursos e a experiência desses estabelecimentos para melhorar a cobertura e a qualidade do sistema de saúde, sem perder de vista a importância da proximidade e da personalização do atendimento.
Leonor Correia
Candidata ao Conselho do Colégio de Especialidade de Análises Clínicas e de Genética Humana da Ordem dos Farmacêuticos (Lista B)