Parcerias multissetoriais colaborativas na saúde: o caminho para a mudança social? 808

As sociedades contemporâneas enfrentam desafios sociais e de saúde cada vez mais complexos, com naturezas multidimensionais e interdependentes, resistentes às tradicionais intervenções de um simples ator ou setor social. Como delimitar um problema como a infeção pelo VIH? As suas causas poderão estar relacionadas com variados fatores:

1)comportamentais e estilos de vida, como a não utilização de preservativo nas relações sexuais; 2) condições de vida e de saúde do indivíduo, como a falta de acesso a serviços podendo resultar em iliteracia sexual; 3) socioculturais e económicos, fatores mais amplos, como políticas governamentais que reprimem a homossexualidade; 4) ou ainda outros.

Causas estas interligadas, que formam uma rede de problemas em que é difícil distinguir os limites. Constatando isto, que soluções claras, exequíveis e testadas existem para combater o vírus do VIH? Várias são as soluções conhecidas para combater o aumento da infeção. No entanto, a implementação de algumas destas soluções pode criar novos problemas, enquanto outras simplesmente não são tidas em consideração pois produzem resultados a longo-prazo, incompatíveis com os 4 anos de círculo eleitoral. A infeção pelo VIH é um problema persistente, outra característica dos problemas complexos.

Parte de uma possível solução para estes problemas complexos passa por envolver uma multiplicidade de experiências, conhecimentos, atores, setores e níveis de governo, ou seja, pela criação de parcerias multissetoriais colaborativas. Entende-se por parceria multissetorial colaborativa as alianças estratégicas criadas entre as organizações dos três setores da sociedade (governo, negócios e sociedade civil), que trabalham em conjunto para alcançar objetivos de desenvolvimento sustentáveis, e para os quais partilham competências, riscos e beneficiam do valor acrescentado à melhor solução encontrada.

As parcerias e a colaboração não são soluções novas e em Portugal assistimos a vários níveis de intensidade. Ora vejamos, no poder central os setores governamentais colaboram entre si, apesar de esta interação ser mais habitual e evidente entre setores cujos objetivos estratégicos são semelhantes, isto é, que competem menos entre si. É o caso do Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério do Ambiente, Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

O terceiro setor também colabora entre si e, cada vez mais, com o poder local e regional de governação. Refiro o trabalho da Santa Casa da Misericórdia e das Fundações com as Juntas de Freguesia e as Câmaras. Menos visível é a colaboração entre o terceiro setor e o poder central de governação. Quase inexistente é a colaboração do setor privado lucrativo com os atores e setores mencionados. Ou seja, parece existir uma afinidade entre certos atores e setores, que resulta numa maior interação e trabalho conjunto. Por outro lado, é visível a dificuldade de incorporar outros agentes, com visões e intervenções distintas, mas capazes de acrescentar valor ao delineamento de ações.

Uma iniciativa interessante a acompanhar é o Govint, “Fórum para a Governação Integrada”, promovida por instituições públicas e privadas (Fundações, Câmaras, Banco e o antigo Ministério do Desenvolvimento Regional), com o propósito de cooperarem na reflexão e ação para a resolução dos problemas mais persistentes que Portugal enfrenta, através de modelos de governação partilhada. Junta ainda um diverso conjunto de parceiros académicos e duas agências governamentais. No entanto, na minha opinião, falta uma maior representatividade de outros setores governamentais, outros níveis de poder e, fundamentalmente, o setor privado lucrativo.

As empresas e corporações podem ser reais parceiros nestes processos, contribuindo para além dos donativos e do financiamento. São capazes de oferecer, por exemplo, modelos de negócio sustentáveis, produtos tecnológicos e inovadores, estratégias de comunicação e marketing e profissionais, por vezes, dispersos pelos quatro cantos do mundo. Quero dizer, podem apoiar com conhecimento diferente daquele que possuem os restantes parceiros. Mencionando alguns exemplos, desde 2002 que a delegação da Anglo American na África do Sul, país com elevada taxa de prevalência de VIH/sida, introduziu um sistema voluntário de rastreio, tratamento e aconselhamento ao VIH/sida junto dos seus trabalhadores, assegurando o diagnóstico precoce e o acesso aos cuidados de saúde. A GlaxoSmithKline lidera o ranking do índice de acesso a medicamentos, em parte pela sua parceria com empresas como a Vodafone, Barclays e organizações não-governamentais que atuam em África. O setor dos negócios não pode virar costas a participar nas iniciativas, pois têm um papel importante na coordenação e implementação de respostas a uma escala superior, a global.

A colaboração entre setores é possível, mas requer uma ação coordenada que se foque no relacionamento entre as organizações, na definição e alcance de objetivos partilhados. Para tal, é necessário criar interações interpessoais que resultem em laços de confiança entre os diferentes atores sociais e políticos. Requere encontros regulares para construir experiência entre eles, para reconhecerem e apreciarem as motivações que estão por trás dos seus diferentes esforços. Colaborar pode parecer difícil, mas somente uma diversidade de visões pode criar soluções inovadoras, out of the box, aptas a enfrentar os desafios que este século nos apresenta e produzir mudanças sociais em larga escala.

Referências:

Atas da Conferência Problemas Sociais Complexos: Desafios e respostas. http://www.forumgovernacaointegrada.pt/index.php/documentacao/category/11-livros

John Kania & Mark Kramer (2011). Collective impact. Stanford Social Innovation Review.

Govint: http://www.forumgovernacaointegrada.pt/

Christian Spano (2015). Ending HIV/AIDS: A Cross-Sector Responsibility. Stanford Social Innovation Review. http://ssir.org/articles/entry/ending_hiv_aids_a_cross_sector_responsibility

Ferrinho, P & Rego, I (2010). Healthy Public Policy: A case study of Portugal. High Comissioner for Health. Health Ministry.

Inês Rego

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)