O envolvimento de doentes em investigação na área do cancro é um dos louváveis objectivos da Presidência do Conselho da UE, agora ciclicamente partilhada pelo trio Alemanha, Portugal e Eslovénia, de Junho de 2020 a Dezembro de 2021.
De forma a materializar esta intenção, a 13 de Outubro de 2020, os três países assinaram a declaração Europe: Unite against Cancer, de modo a unir esforços para fortalecer a investigação na área do cancro e, em particular, para promover o envolvimento sistemático de doentes em todo o espectro translacional da investigação, para que se torne numa necessidade cada vez mais reconhecida e de prática corrente. A declaração deixa ainda em aberto como poderão estes países operacionalizar esta vontade, representando, no entanto, um bom ponto de partida para um tema que, nos últimos anos, tem merecido maior atenção.
Mais que meros objectos de estudo, é cada vez maior o reconhecimento de que os doentes podem ter um papel activo na investigação da sua doença, podendo estar significativamente envolvidos em diferentes etapas do processo de investigação, contribuindo com uma perspectiva única e valiosa e representando um conhecimento vivo (e vivido) da condição em estudo. A sua participação, numa fase mais inicial da investigação, pode ajudar a redirecionar o foco para necessidades que não têm ainda resposta e a priorizar, de acordo com carências reais, as perguntas de investigação. Vistos como verdadeiros parceiros, poderão também contribuir para a redacção de protocolos, recrutamento de doentes, interpretação e divulgação de resultados, como pertinentemente aprofundado no mapa de oportunidades de envolvimento proposto por Geissler et al. 2017.
No entanto, grande parte da investigação actual na área de saúde é ainda financiada, conduzida e publicada sem considerar os doentes como um grupo-chave. Esta abordagem desactualizada pode resultar em ineficiências evitáveis e taxas de insucesso frustrantes e irresponsáveis. É, assim, imperativo que potenciais equívocos sobre a participação de doentes na investigação sejam dissipados e que se trabalhe cada vez mais, e melhor, para prestar evidência de que o envolvimento dos doentes em investigação pode ser um activo importante para instituições e investigadores, capaz de melhorar a relevância das suas questões, aumentando a transparência do seu trabalho e acelerando o adopção prática de novas descobertas em saúde.
É de notar também que, cada vez mais, entidades financiadoras e reguladoras tornam o envolvimento de doentes um requisito necessário para o desenvolvimento de uma investigação. O Regulamento de Ensaios Clínicos da UE especifica que os protocolos de ensaios clínicos devem indicar em que momentos os doentes estiveram envolvidos na concepção do ensaio clínico, bem como uma descrição da forma como decorreu este envolvimento. Igualmente, Comissões de Ética em vários os países frequentemente pedem mostras de que os utilizadores finais de um produto de investigação estiveram envolvidos no seu desenvolvimento.
Ainda assim, e apesar de todos estes esforços, é pouco comum que os doentes tenham efectivamente mais do que uma participação simbólica nos processos de tomada de decisão em investigação. Há, deste modo, uma necessidade urgente de nos sensibilizar para este tema e de construir mais evidência sobre casos que nos sejam próximos e bem-sucedidos quanto ao envolvimento de doentes em investigação. Há que compreender que abordagens melhor funcionam, em que contextos, com que tipos de doentes e em que fases do processo de investigação é a sua participação mais frutífera. Apenas, assim, esta boa prática poderá tornar-se cada vez mais presente, devido a um reconhecimento sincero do seu valor e não a um simples cumprir de requisito.
Geissler J, Ryll B, Leto di Priolo S. et al. Improving patient involvement in medicines research and development: a practical roadmap. Therapeutic Innovation and Regulatory Science, 2017, 51:612–19