No passado dia 18 de outubro, foi lançada a “Carta para a Participação Pública em Saúde”, redigida por uma plataforma juntando várias associações de doentes, e subscrita por várias personalidades reconhecidas na área da saúde. É difícil não concordar com esta petição, considerando que as boas práticas apontam para cuidados centrados no utente, tanto na clínica, como na organização dos serviços. É difícil também não concordar com a visão defendida, “mais participação, melhor saúde”, considerando a tradição excessivamente hierárquica, em Portugal, na relação médico-doente, e o carácter extremamente centralizado da estrutura do Serviço Nacional de Saúde (SNS). O maior envolvimento formal das associações, no âmbito do SNS, pode trazer evidentes mais-valias. – Permite que as experiências dos utentes e as suas preferências sejam tidas mais facilmente em conta pelos decisores e prestadores de cuidados. – Permite dar voz às populações mais vulneráveis e por vezes invisíveis, promovendo a equidade. – Permite informar a população sobre o bom ou mau funcionamento do sistema, sendo um instrumento de transparência, essencial quando se deseja favorecer a liberdade de escolha. – Permite que as associações se transformem numa correia de transmissão entre decisores e terreno, facilitando a implementação das políticas de saúde. – Permite maior transparência, porque o envolvimento formal, reconhecido, claro, é sempre preferível às pressões ocultas. – Do lado das associações, permite implicá-las nas políticas de saúde, obrigando-as a adotar uma perspetiva social mais abrangente, que inclua os benefícios e os custos para a população, e integre a necessidade de fazer escolhas. – Permite tornar mais fina e inclusiva a “malha” dos apoios sociais e em saúde, se considerarmos que o SNS terá sempre dificuldade em chegar às populações mais vulneráveis, que podem necessitar de apoios muito específicos. No entanto, alguns elementos são essenciais para que a “Mais participação” represente de facto “Mais saúde”. Um primeiro ponto a relembrar, evidente: quando a Carta refere «as pessoas com ou sem doença e os seus representantes», os «seus representantes» são primeiro os cidadãos eleitos. Importa relembrar que os decisores públicos têm um lugar privilegiado para uma visão global das diferentes alternativas de intervenção, das necessidades concorrentes e dos diversos constrangimentos. Se não queremos decisões enviesadas em função da capacidade financeira, visibilidade ou competência de associações específicas, que podem não ser necessariamente as mais relevantes socialmente, importa que os representantes dos cidadãos – os eleitos – guardem a última palavra. Nesta mesma linha, importa que os «representantes das pessoas com e sem doença» sejam de facto o mais representativos possível; a plataforma é um excelente passo neste sentido, obrigando as associações a definir primeiro, entre elas, quem os representa e quais são as prioridades. Importa que o processo seja o mais transparente possível, sendo que os atores – as associações ou outros – devem indicar claramente as suas fontes de rendimento, conflitos de interesse, e quem são os seus membros. Só desta forma será claro, para todos, em nome de quem e de quê estaremos a falar. Finalmente, e não menos importante, a inclusão das associações nos processos de decisão no âmbito do SNS deve ser formalizada e clara, com indicação dos órgãos onde serão ouvidos, e de qual o valor e preponderância da sua opinião. Ao contrário do que se pensa, a participação do cidadão, tal como a descentralização ou a delegação de poderes, não pode ser um instrumento de esvaziamento do Estado mas, pelo contrário, só pode dar frutos se enquadrados por um Estado com forte capacidade de regulação, capaz de definir a alocação de recursos mais favorável ao bem comum. Saúda-se esta excelente iniciativa não apenas pelo seu potencial benefício, mas também por nos obrigar a pensar sobre os melhores modelos de participação cidadã. Julian Perelman, (A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores). |