Paternalismo necessário e desejável 1657

Vários países europeus têm em vigor políticas de controlo do tabaco que determinam a proibição de fumar em espaços públicos, embora com diferentes profundidades e raios de ação. Sabe-se hoje que as políticas mais abrangentes têm o potencial de reduzir a aceitação do uso do tabaco, bem como a prevalência de fumadores e de desencorajar o início do consumo entre os jovens. A adolescência é uma fase crítica: quem começa a fumar mais cedo tem maior probabilidade de fumar na idade adulta, tende a fumar mais intensivamente e a ter maior dificuldade em deixar de fumar.1

Até aqui, as políticas implementadas em Portugal tinham pecado por serem pouco abrangentes. No entanto, o Governo Português avançou com uma proposta de lei que pretende alargar “a proibição de fumar ao ar livre dentro do perímetro de locais de acesso ao público em geral ou de uso coletivo”, como estabelecimentos de saúde ou ensino, recintos desportivos, estações, paragens e apeadeiros dos transportes públicos.

Um estudo científico realizado em 2019 demonstrou que os adolescentes europeus relatam uma elevada visibilidade do uso de tabaco em espaços públicos, provavelmente pela falta de regulamentação sobre os seus espaços exteriores circundantes. Os dados para Portugal demonstravam que mais de 80% dos adolescentes referiam ter visto pessoas a fumar em bares/clubes e em estações de comboio e autocarros, 70% em restaurantes e 50% em instalações de lazer ou desporto. Isto é especialmente preocupante porque os adolescentes que reportavam maior visibilidade de uso de tabaco, acreditavam também que fumar os tornava mais “cool”, os fazia sentir relaxados, os tornava mais populares, atraentes ou adultos, e que podia até ajudar a controlar/perder peso ou a arranjar um(a) namorado(a).2

Essas crenças sobre o uso de tabaco têm ainda mais impacto quando as pessoas que os adolescentes observam a fumar são adultos influentes na sua vida, como pais, pais de amigos próximos, professores ou outras figuras de referência. Por exemplo, ver professores a fumar nas áreas circundantes das escolas faz com que as mensagens para não fumar e sobre os malefícios do tabaco sejam incongruentes. Um artigo com dados de oito grupos focais de alunos de duas escolas públicas de Coimbra cita alunos que questionavam qual o exemplo de um professor que lhes diz para parar de fumar, quando o próprio fuma cigarros.3

A proposta de lei prevê ainda a redefinição dos “locais onde é permitida a venda de tabaco e a instalação de máquinas de venda automática”. Algo que também é problemático nestas idades. Segundo os mesmos adolescentes de Coimbra, as máquinas de venda são facilmente desbloqueadas, mesmo para menores de idade, uma vez que os vendedores normalmente não verificam o seu cartão de identificação.3

Criou-se um amplo debate sobre esta proposta. Entre outros argumentos, referiu-se que estas medidas são paternalistas e um atentado às liberdades individuais dos fumadores. No caso dos jovens, o paternalismo não só é necessário como desejável. A curto prazo, estas políticas têm potencial de redução de visibilidade do uso de tabaco, evitando que os adolescentes desenvolvam a perceção de que o tabaco traz benefícios positivos, contribuindo simultaneamente para a sua desnormalização e, consequentemente, para a prevenção do seu uso; a longo prazo, contribuirão para uma geração mais saudável.

Joana Alves
Escola Nacional de Saúde Pública

Referências:

  1. Gruber, J. & Zinman, J. Youth Smoking in the U.S.: Evidence and Implications. National Bureau of Economic Research Working Paper Series 7780, (2000).
  2. Lagerweij, N. A. et al. The visibility of smoking in Europe and its relationship with youth’s positive beliefs about smoking. International Journal of Public Health 64, 1335–1344 (2019).
  3. Leão, T. et al. Adolescents’ smoking environment under weak tobacco control: A mixed methods study for Portugal. Drug and Alcohol Dependence 204, 107566 (2019).