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Pediatra Gomes Pedro recorre a estratégias para ajudar na compra de vacinas

23 de Março de 2015

O pediatra Gomes Pedro depara-se cada vez mais com pais que não têm dinheiro para comprar as vacinas, o que o levou a definir estratégias, como propor aos avós a oferta de uma vacina em vez de um brinquedo.

Após 50 anos a tratar da saúde das crianças, com milhares de bebés a passarem-lhe pelas mãos – no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e no seu consultório – Gomes Pedro vê-se atualmente forçado a definir estratégias para que os pais consigam o seu objetivo: proteger os filhos.

«Já temos casais com pai e mãe desempregados, a quem nós queremos receitar as novas vacinas indispensáveis à sobrevivência [dos filhos], como a nova vacina para a estirpe B do meningococo», disse à “Lusa”.

Estes pais começam por dizer que querem «o seu menino de ouro saudável», mas não têm dinheiro para comprar vacinas.

«É terrível os pais não terem dinheiro para comprar uma vacina», disse, contando que ultimamente recorre a uma estratégia que envolve os avós, sempre que estes vêm à consulta, e que passa por sugerir que estes ofereçam uma vacina ao neto, em vez de um brinquedo, proposta que tem sido «muito bem recebida».

Gomes Pedro, que recentemente foi homenageado numa cerimónia em Coimbra, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, lembra que, atualmente, as crianças portuguesas têm ao dispor oito ou nove vacinas.

«Temos que as aproveitar todas. Simplesmente, algumas delas não são comparticipadas pelo Estado. Isto é um atentado à fantasia, à necessidade, ao direito», declarou.

«Celebrámos há pouco tempo os 25 anos da convenção dos direitos da criança, em novembro de 2014, e não pode ser. A celebração de um dia destes tem que garantir que cada criança tenha o direito a sobreviver, nomeadamente com as vacinas adequadas».

O pedagogo, que preside ao Centro Brazelton, lamentou que, em Portugal, «ainda não haja uma cultura de criança. Não há uma cultura de bebé».

Segundo Gomes Pedro, os políticos portugueses «candidatos aos mais elevados cargos falam de tudo, nomeadamente os comentadores políticos, mas não falam da criança».

«Não falam na indispensabilidade de garantir à criança e ao bebé – além de um olhar comportamental, relacional e de afeto para a criança – as vacinas a que têm direito», acrescentou.

O pediatra, que tem 73 anos e dirigiu durante 12 anos o departamento de Educação Médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, sublinha que, «com a baixa natalidade, cada bebé é um bebé de ouro para os pais».

O especialista identifica com cada vez mais frequência, e fruto das fantasias dos pais antes e durante a gravidez, progenitores com pedidos: «Torne o meu filho, o meu bebé de ouro, num bebé muito especial e inteligente (…) faça do meu filho alguém que seja um herói supercompetente, que tenha boas notas na escola, que faça algum desporto».

«Isto é o peso da influência do que se lê, que por um lado é desejável, todos querem ter o seu menino de ouro», adiantou.

Para Gomes Pedro, os pais estão hoje stressados com coisas para as quais não se está a olhar com a devida atenção, como a mãe deprimida ou a ameaça do desemprego que torna os pais ansiosos.

Em relação ao movimento anti vacinas, que está a preocupar as autoridades de saúde, o pedagogo afirma que este «tem muitas bases de sentimento por parte dos pais».

«Há pais que, assim como têm uma alimentação especial, biológica, não querem que a criança seja injetada com antigénios que vão fazer despertar os anticorpos que combatem uma eventual doença adquirida pela criança», frisou, acrescentando que «outros pais associam o perigo das vacinas com a potencial indução de autismo. Não há qualquer evidência científica que suporte isto, mas há uma fantasia muito grande».

Sobre a atitude que adota, Gomes Pedro avança: «Não podemos ir contra a vontade nem ser intrusivos em relação a isto, mas temos a obrigação de explicar o que é potencialmente o valor de uma vacina que pode salvar a vida de uma criança, se porventura ela for hoje para alguns países do mundo onde o sarampo ainda é endémico».

«Eu costumo dizer aos pais que gostava de estar ainda no ativo como clínico e saber que as crianças podiam ter acesso a 30, 40, 50 vacinas».