Os Profissionais da Unidade Local de Saúde (ULS) de São José alertaram, ontem, o Governo para a perda de autonomia dos cuidados de saúde primários na reforma do Serviço Nacional de Saúde (SNS), com prejuízos na resposta prestada aos utentes.
O alerta consta de uma carta enviada à ministra Ana Paula Martins por um grupo de coordenadores das unidades funcionais de cuidados de saúde primários da ULS de São José, em Lisboa, a que a agência Lusa teve acesso.
No âmbito da reforma que generalizou as ULS no país, que passou a dispor de 39 dessas unidades, o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central passou, desde janeiro, a funcionar como ULS de São José, concentrando numa mesma organização e modelo de gestão os hospitais e os centros de saúde.
Na carta enviada à ministra, os profissionais de saúde consideram que a gestão verticalizada resultou numa “efetiva perda de autonomia dos cuidados de saúde primários” (CSP).
“Na prática, este modelo de gestão, que centralizou serviços e recursos nas ULS, aumentou a burocracia e reduziu a capacidade de decisão aos CSP, prejudicando a sua resposta rápida e adaptada às necessidades locais”, é alertado no documento.
Segundo os signatários da carta, tendo em conta que as unidades funcionais são estruturas com autonomia, as tomadas de decisão “unilaterais, sem consulta ou envolvimento dos profissionais dos CSP, levam à sua desmotivação e podem afetar negativamente a eficácia e a efetividade dos cuidados prestados”.
Estes profissionais do SNS com funções de coordenação em unidades funcionais nos antigos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) de Lisboa Central e Loures Odivelas, agora integradas na Unidade Local de Saúde (ULS) de São José, expressam a “sua profunda preocupação com o atual modelo de gestão” dos cuidados primários.
“Concordamos também que a generalização do modelo ULS, sendo aplicada de forma abrupta e transversal a todo o país, além de pôr em causa todo este percurso e o futuro do SNS, não serve os utentes, os profissionais, nem a gestão”, refere também a carta.
Perante isso, os 11 signatários consideram que este é o “momento-chave para sinalizar” que não estão de acordo com um modelo que consideram ser um “verdadeiro retrocesso para o SNS, em particular para os CSP”.
Nos seus argumentos, alegam uma “articulação complexa”, uma vez que a estrutura de gestão da ULS introduziu vários níveis de decisão, “dificultando a comunicação e diminuindo a capacidade de resposta dos CSP, com impacto negativo nos cuidados prestados aos utentes, por falência de circuitos não adaptados às circunstâncias dos CSP e anulação dos já existentes no modelo de gestão prévio”.
Além disso, verifica-se, de acordo com a carta, um “risco de despersonalização e desumanização” dos cuidados de saúde com a criação de “instituições gigantescas”, o que “contraria os princípios básicos” da medicina geral e familiar e dos CSP.
Refere ainda que a gestão centralizada da ULS integrou ACeS com culturas organizacionais, realidades demográficas e sociais diferentes, um “desconhecimento das realidades locais” que dificulta a resolução de necessidades específicas dos CSP, existindo o “risco de alocação inadequada de recursos”.
“Não existe um plano de integração de cuidados partilhado e não se conhecem iniciativas nesse sentido”, lamentam ainda os profissionais de saúde, que defendem a adoção de um modelo com maior autonomia dos CSP, em que “existisse partilha de recursos de nível regional que possibilitasse economias de escala e com estreita colaboração” com o centro hospitalar de referência.
Os subscritos salientam que o documento não representa qualquer juízo de valor relativo ao atual conselho de administração da ULS de São José ou do respetivo conselho de gestão para os cuidados de saúde primários.
A área de influência direta da ULS São José abrange 13 freguesias do concelho de Lisboa e quatro do concelho de Loures, correspondendo a mais de 440 mil inscritos nas unidades de cuidados de saúde primários.