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Peritos defendem rastreio à hepatite C nos nascidos entre 1950 e 1980

29 de Abril de 2015

Especialistas e doentes defendem a realização de um rastreio nacional à hepatite C a todas as pessoas que nasceram entre 1950 e 1980, a única forma de saber quantos doentes existem realmente em Portugal e encaminhá-los para tratamento.

Durante uma sessão que ontem reuniu em Lisboa médicos, doentes e Indústria Farmacêutica, o hepatologista Fernando Ramalho sublinhou que há um número significativo de pessoas que não sabe que está infetada com o vírus da hepatite C e, como tal, não recebe cuidados médicos.

«É necessário aumentar o número de pessoas diagnosticadas», afirmou o especialista, defendendo a realização de testes rápidos de deteção da hepatite C nos cuidados primários de saúde.

Estes testes deviam ser realizados por toda a população que tenha nascido entre 1950 e 1980, considerando Fernando Ramalho que a definição das populações em risco deve ser feita com base nos anos de nascimento.

O hepatologista do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, lembrou que entre 1961 e 1974 Portugal teve quase um milhão de pessoas que foram para África, durante o período da Guerra Colonial, onde terão corrido maior risco de exposição ao vírus devido a ferimentos e falta de condições de tratamento adequadas.

Atualmente estão identificados pelos hospitais públicos cerca de 13 mil doentes com hepatite C, um número muito abaixo do que será a realidade.

Emília Rodrigues, da associação SOS Hepatites, que representa os doentes, estima que o número real de casos ande bem acima dos 150 mil, admitindo mesmo a possibilidade de atingirem quase 300 mil pessoas.

Para a SOS Hepatites, rastrear as pessoas nascidas entre 1950 e 1980 tem a vantagem de se abranger a faixa de ex-combatentes e ainda as pessoas que «passaram pelo boom da droga em Portugal».

O hepatologista Fernando Ramalho salientou ainda que o rastreio não deve ser baseado em grupos de risco com base em comportamentos, uma vez que os doentes podem negar esses comportamentos ou até desconhecê-los.

«Se fizermos o teste rápido, a prevalência da doença em Portugal vai disparar», comentou em declarações à agência “Lusa”, lembrando que vários estudos apontam para uma incidência de hepatite C na ordem dos dois a três por cento da população nos países do sul da Europa.

Também o médico Rui Tato Marinho vincou a importância de se fazer o teste à hepatite C «pelo menos uma vez na vida», enquanto indica que cerca de 20 por cento dos doentes não apresentarão os clássicos fatores de risco (como transfusões de sangue até década de 1990 ou toxicodependentes). Além disso, em Portugal são já cerca de um terço os doentes que apresentam o fígado afetado e com risco de evoluir para cancro.

Sobre os custos que um rastreio feito pelo Serviço Nacional de Saúde possa representar, o médico Fernando Ramalho argumenta que, quantos mais doentes se diagnosticarem, mais barato ficará cada tratamento.

«Quantos mais doentes detetarmos, mais os laboratórios serão sensíveis a baixar os preços», declarou.

Em Portugal, desde fevereiro que os hospitais disponibilizam aos doentes com hepatite C medicamentos inovadores comparticipados a 100 por cento pelo Estado, depois de um longo processo negocial com a indústria farmacêutica.

O acordo entre o Ministério da Saúde e o laboratório Gilead determina que a farmacêutica é paga quando o doente fica curado.

Estes medicamentos inovadores têm sido apontados como tendo uma taxa de cura superior a 90%, representando um passo importante também para a prevenção de novos contágios.

Contudo, o médico Fernando Ramalho alertou que os ensaios clínicos destes fármacos foram feitos «em doentes altamente selecionados».

«A minha previsão é que isto não é o mar de rosas que toda a gente previa. Os ensaios clínicos são ótimos porque escolhem os melhores doentes. Vamos ver o que acontece no mundo real», avisou.