Os modelos de avaliação económica para apoiar a tomada de decisão sobre medicamentos são relevantes. Subjacente a estes modelos está a decisão sobre que custos podem ser incluídos nos estudos de avaliação económica. A perspectiva mais abrangente é a perspectiva da sociedade, a mais importante para o decisor é a perspectiva do Ministério da Saúde, uma vez que é sobre este que vão recair os encargos decorrentes da decisão tomada. Qual será a mais adequada? A perspectiva da sociedade é relevante mas não deve ser a perspectiva do caso base. O Ministério da Saúde deve focar-se mais nos benefícios que são gerados no âmbito dos serviços que presta e nas poupanças criadas no seu orçamento. Afinal é com essas poupanças que efectivamente vai poder contar para financiar novos serviços, medicamentos ou contratar mais pessoal.
A perspectiva da sociedade inclui os custos directos médicos e não médicos e os custos indirectos. A perspectiva do Ministério da Saúde apenas inclui custos directos que tenham que ser suportados pelo orçamento do Ministério de Saúde. Neste caso não há lugar à consideração dos custos indirectos, ou seja, as perdas de produtividade decorrentes de se estar doente não são tidas em consideração.
As Orientações Metodológicas para a Avaliação Económica de Medicamentos publicadas em 1999, e ainda em vigor, prevêem que os estudos submetidos pelas empresas farmacêuticas ao INFARMED utilizem a perspectiva da sociedade. Contudo, a maior parte os estudos submetidos acaba por utilizar apenas a perspectiva do Ministério da Saúde ou, mesmo quando é referido que se optou pela perspectiva da sociedade, apenas se incluem os custos directos médicos, por dificuldades associadas à quantificação e valorização das perdas de produtividade.
A opção pela perspectiva da sociedade traz complexidades inesperadas à medição e valorização dos custos indirectos relacionados com perdas de produtividade decorrentes de absentismo, presentismo, reformas antecipadas e mortalidade prematura. Não se fique com a ideia de que nos modelos de avaliação económica apenas contam as pessoas que “produzem”, não é verdade. Mas é precisamente por se saber que ter saúde é o que nos permite trabalhar e ir escapando da morte que medir estes impactos se torna relevante.
Quando se considera a perspectiva da sociedade nem sempre é possível incluir os custos decorrentes das perdas de produtividade. Porquê? Umas vezes porque estamos a falar de medicamentos para crianças. Como as crianças não trabalham, que valor devemos incluir? Não sabemos o que vão fazer, não sabemos quanto vão ganhar, não sabemos até que idade vão trabalhar, não sabemos se vão trabalhar…
E se estivermos a falar de medicamentos para pessoas com mais de 60 anos? É possível que uma grande parte já esteja reformada. Se as pessoas já estão reformadas, não têm perdas de produtividade decorrentes de absentismo laboral.
Então que perdas de produtividade podemos considerar? As das pessoas afectadas pela doença que têm, grosso modo, entre 25 e 60 anos, o grupo dos indivíduos em idade activa. Mas, em rigor, estes valores têm que ser corrigidos pela taxa de desemprego e pela taxa de participação no mercado de trabalho. Em alturas de crise, em que há mais desemprego, teremos menos perdas de produtividade. Como as mulheres têm taxas de participação no mercado de trabalho mais baixas, também terão menos perdas de produtividade. Além de que também costumam ser mais afectadas pelas situações de desemprego…
Mas, então, se perdas de produtividade devem ser valorizadas pelas remunerações médias, mesmo entre as pessoas que trabalham, como os homens ganham mais que as mulheres, as perdas de produtividade dos homens contam mais do que as perdas de produtividade das mulheres…
Imaginemos que temos dois medicamentos em processo de avaliação para duas doenças que afectam pessoas entre os 25 e os 60 anos de idade. Contudo, uma doença em cada 4 pessoas que atinge 3 são homens e, a outra doença, em cada 4 pessoas que afecta, 3 são mulheres. Assumindo que os custos directos médicos são iguais nas duas doenças, teremos o medicamento para a doença que afecta mais homens com custos mais significativos para a sociedade apenas porque os homens ganham mais do que as mulheres. Esta situação levar-nos-ía a dizer que o novo medicamento para doença que afecta mais homens teria mais valor para a sociedade se conseguisse reduzir as perdas de produtividade. Mesmo que o medicamento para a doença que afecta mais mulheres conseguisse reduzir as perdas de produtividade na mesma proporção.
Será isto justo?
Mas os problemas não acabam aqui. Depois de décadas a medirem-se os custos indirectos ainda não há consenso sobre a forma de valorização das perdas de produtividade: método do capital humano ou método dos custos de fricção? A opção por um, ou por outro, tem impactos importantes nos resultados.
E como medir o presentismo? É, mais uma vez, uma área onde existem vários métodos que podem ser utilizados com resultados muito diferentes.
Quer isto dizer que não se deve utilizar a perspectiva da sociedade? Que não são relevantes os impactos que geram benefícios fora do orçamento do Ministério da Saúde? Não, nada disso. Esses resultados são muito importantes mas ainda temos que encontrar metodologias mais adequadas para os medir.
Céu Mateus
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de conhecimento Nova SBE Health Economics & Management. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)