Perturbações do sono: “Um mercado maduro com marcas fortemente implementadas” 749

Sendo uma área de grande relevância para as farmácias, «construir uma categoria e saber trabalhá-la técnica e comercialmente é uma tarefa que se revela muito proveitosa, devido à ajuda que podemos propiciar e à dinamização comercial de outros produtos que podem ser alvo de cross selling».

Um questionário online da Comissão de Trabalho de Patologia Respiratória do Sono da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), realizado com o intuito de saber mais sobre os hábitos de sono dos portugueses, revelou, este ano, que a maioria dos inquiridos assume não dormir bem. Neste sentido, 52% sente que raramente ou apenas às vezes dorme bem; 75% dorme menos de sete horas e 19% dorme menos de seis horas por noite. Em relação às dificuldades com o sono, as respostas demonstraram que 22% das pessoas declara demorar mais de 30 minutos a adormecer, 44% refere já ter feito medicação para dormir e 12,5% faz medicação diária para este efeito. Além disso, 17% assumiu problemas de roncopatia. No que respeita ao impacto dos hábitos de sono no dia seguinte, 24% dos inquiridos mencionou acordar sempre ou frequentemente cansados e 51% indicou sonolência diurna excessiva.

«Uma parte significativa de portugueses dorme mal», corrobora o farmacêutico António Hipólito de Aguiar, acrescentando que, no que toca às farmácias, «as equipas técnicas podem ajudar substancialmente na correção das causas. Sendo o sono fundamental, quer para um quotidiano laboral produtivo quer para a manutenção do estado de saúde, cabe às farmácias um papel fundamental no acompanhamento das necessidades da população».

E «cada vez temos mais utentes com queixas de perturbação de sono», declara Lúcia Lopes. Sendo que, como explica a farmacêutica adjunta na Farmácia Adriano Moreira, em Castelo de Paiva, estas «podem ter uma origem idiopática que conduz a problemas na qualidade, quantidade e tempo de sono, sendo a insónia primária a perturbação mais comum, ou podem ter origem numa relação de causa efeito associada geralmente a patologias mentais». O estilo de vida da sociedade atual «tem levado a uma diminuição da qualidade e das horas de sono e, efetivamente, a um aumento da prevalência da insónia», remata. Daí que do seu ponto de vista, esta seja «a perturbação em que mais podemos intervir e aconselhar, pois é bastante limitante e condiciona a qualidade de vida do utente, além de que se trata de uma perturbação subvalorizada».

Não obstante, «o farmacêutico tem competência para intervir nas mais diversas situações com que se depara, seja no contexto de uma insónia, de despertares noturnos ou noutras circunstâncias, já que tem o conhecimento fisiológico do sono e o domínio farmacológico sobre as diversas substâncias a serem usadas para corrigir alterações», refere o responsável da Farmácia Aguiar.

Trabalhar técnica e comercialmente

Para as farmácias, as perturbações do sono são «uma categoria de grande relevância», defende Lúcia Lopes. Por isso, «cada vez mais a “gestão de categorias” é vista de uma forma cuidada porque permite expor e evidenciar as soluções existentes para a patologia e até mesmo levar o utente a falar das suas queixas com menos inibição». Além disso, ainda de acordo com a farmacêutica adjunta, «a equipa terá mais facilidade no aconselhamento dos produtos selecionados pela farmácia e disponibilizará mais informação aos utentes, visualmente através da exposição dos produtos, pelas redes sociais ou ainda através de outros meios com caráter informativo da patologia». Isto porque, atualmente, é, efetivamente, «bastante alargado o número de opções terapêuticas, quer em medicamentos não sujeitos a receita médica, quer, fundamentalmente, em suplementos, pelo que construir uma categoria e saber trabalhá-la técnica e comercialmente é uma tarefa que se revela muito proveitosa, devido à ajuda que podemos propiciar e à dinamização comercial de outros produtos que podem ser alvo de cross-selling», complementa António Hipólito de Aguiar.

Parafarmácia a ganhar terreno

De uma perspetiva de mercado, as perturbações do sono «têm um forte peso no canal Farmácia, responsáveis por mais de 75% das vendas em valor», declara Cristina Pimenta, marketing manager da IQVIA Portugal (com base no Pharmascope Combined março 2023), alertando que, em contrapartida, «apesar do seu crescimento de 7%, o canal de parafarmácia está bastante mais dinâmico, crescendo 25% nos últimos 12 meses, ganhando espaço à Farmácia».

Este é um mercado, segundo a marketing manager, «que abrange medicamentos não sujeitos a receita médica e produtos farmacêuticos como suplementos, produtos homeopáticos e fitoterápicos». Mas é, igualmente, «um mercado maduro com marcas fortemente implementadas e com notoriedade reconhecida ao longo dos anos, tendo havido nos últimos dois anos fortes lançamentos que provocaram crescimento do mercado, alavancado não só por novas marcas, mas também por lançamentos de referências das marcas já existentes, com aposta em posicionamento mais naturais».

Mas haverá espaço para crescer ainda mais? Quanto a isso, Cristina Pimenta sublinha que «este tipo de produtos está muito ligado a fatores externos como o stress, o cansaço acumulado do dia a dia da nossa sociedade e de problemas de saúde psicológicos, emocionais e biológicos». Neste sentido, «o potencial de crescimento passa muito pela consciencialização destes problemas e pela ação efetiva por parte do consumidor que há anos tinha pudor em falar abertamente sobre este problema». Além disso, os laboratórios que trabalham esta categoria têm «a possibilidade de fazer comunicação em canais abertos como a televisão, rádio, meios digitais, contrariamente aos medicamentos sujeitos a receita médica, e por isso também têm um papel importante para a promoção e alavancagem do mercado tanto na Farmácia como na parafarmácia», conclui Cristina Pimenta.

As ameaças e as oportunidades

De acordo com António Hipólito de Aguiar, as dificuldades e as ameaças, ao nível das perturbações do sono, são «as usuais, resultantes da concorrência de outros pontos de venda, sejam preços e promoções, sejam profundidades de gamas (por vezes as farmácias não detém, para uma mesma marca, todas as referências comercializadas) e isso pode facilitar uma menor preferência do utente, em determinado momento que precise».

Por outro lado, também acontece «os utentes quererem adquirir um medicamento “mais forte”, mas onde está a receita médica?», expõe Lúcia Lopes. Daí que, do seu ponto de vista, «os farmacêuticos devam estar preparados e disponíveis para diagnosticar e, desta forma, aconselhar o melhor tratamento e cuidado. Sendo que o diagnóstico vai depender de uma avaliação dos padrões de sono individuais, bem como do estilo de vida e historial clínico». Neste contexto, ainda de acordo com a farmacêutica adjunta, «as medidas não farmacológicas têm particular importância em especial em idades precoces, devendo-se promover a higiene do sono». Deste modo, é essencial ter em conta medidas como «ter uma boa alimentação, muitas vezes com recurso a suplementos nutricionais; e manutenção de uma rotina no que se refere às horas de acordar e de adormecer, mantendo um horário fixo mesmo ao fim-de-semana, que permita garantir um período de sete a oito horas de sono diariamente. É ainda importante evitar a ingestão de álcool, cafeína e outras bebidas estimulantes entre a tarde e a noite».

Quanto às oportunidades, Lúcia Lopes acredita que «esta é uma área, que pela sua complexidade e subvalorização pela sociedade, deve ser explorada». E, por isso, «devemos estar atentos aos sinais, sintomas e queixas dos utentes, pois o farmacêutico, como profissional de saúde com grande credibilidade e acessível à população, tem uma forte influência na terapêutica individual associada a perturbações do sono».

Por seu turno, o farmacêutico reitera que «comercialmente, as oportunidades são significativas, visto que são muitos os pacientes que procuram soluções para a sua dificuldade em vários momentos do sono».

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Farmácia perde mercado

Dados IQVIA demonstram que em termos de produtos para as perturbações do sono (categoria NEC2 – 13 A, calmantes/tranquilizantes, Pharmascope Combined, janeiro 2023 – dados de sell out), no ano móvel findo em janeiro de 2022, este mercado valia 23,5 milhões de euros, estando 80,9% concentrado nas farmácias e 19,1% nas parafarmácias. Já no ano móvel terminado em janeiro de 2023, o mercado cresceu para os 25,9 milhões de euros, o que traduziu um aumento de 10,1% face ao período homólogo. Não obstante, notou-se um decréscimo ao nível da parcela das farmácias, já que geraram 78,4% do valor; as parafarmácias aumentaram a sua quota para 21,6%.

No que toca à evolução das vendas em unidades, no ano móvel terminado em janeiro de 2022 tinham sido dispensadas 1,695 milhões de unidades, 80,3% das quais nas farmácias e 19,7% nas parafarmácias. Um ano depois, em janeiro de 2023, a venda de embalagens aumentou 5,7%, equivalentes à venda de 1,791 milhões de unidades. No entanto, à semelhança do que aconteceu com as vendas em valor, nas farmácias houve um decréscimo dos produtos vendidos, concentrando 78,3% das vendas em unidades, enquanto as parafarmácias aumentaram a sua quota para 21,7%».

Olhando para a evolução ao longo do período em análise, os meses onde se venderam mais unidades e se gerou maior valor foram março e outubro de 2022.

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O que perguntar

Os farmacêuticos devem «assumir o papel, essencial, na sensibilização para adoção de bons hábitos de higiene de sono e aconselhamento terapêutico», argumenta Lúcia Lopes, acrescentando que «“o sono de qualidade” é primordial para o utente ter um melhor desempenho profissional e académico, melhorar o humor e diminuir algum grau de irritabilidade, fatores que, sem dúvida, vão comprometer a sua qualidade de vida». Além disso, ainda de acordo com a farmacêutica adjunta, ter um sono regular e tranquilo «permite regular os processos de crescimento celular e o sistema imunitário, controlar a temperatura corporal, assim como regular o sistema respiratório e circulatório». Neste sentido, alerta que «muitas são as vezes em que a queixa do utente não é a perturbação do sono, mas uma das suas consequências como falta de concentração, perda de memória, sintomas depressivos, cansaço, irritabilidade, etc.». A gravidade destas consequências é variável «e depende do tempo em que a pessoa se encontra privada de sono, da idade, da motivação da mesma, da sua personalidade, bem como do ambiente que a rodeia», daí que «devam ser colocadas várias questões para que se chegue a um bom diagnóstico, assim como à solução para o utente», defende Lúcia Lopes.

Ao balcão

Um dos primeiros passos é «caracterizar muito bem as situações e “oferecer” aos utentes soluções compatíveis com a realidade e as necessidades de cada um, começando, sempre que possível, com uma primeira linha de produtos provenientes de extratos naturais fitoterápicos», aconselha Hipólito de Aguiar.

Deste modo, «todos os sinais e queixas têm a sua importância», complementa Lúcia Lopes, acrescentando que «nem sempre os utentes se sentem à vontade para falar dessas mesmas queixas, por isso, enquanto farmacêuticos, devemos sensibilizar para as vantagens e desvantagens do uso crónico destes fármacos e devemos promover o uso racional desta medicação e também informar e sensibilizar para uma boa higiene de sono».

Assim sendo, a farmacêutica adjunta refere que existem algumas questões que podem ser colocadas para facilitar o aconselhamento, «tais como a idade, quais os sintomas e a sua duração, quantas horas dorme por noite, quanto tempo demora a adormecer, se tem sintomas de sonolência durante o dia, doenças ou medicamentos habituais, nomeadamente para dormir e existência de alguma situação particular como gravidez, amamentação e menopausa».

ESTE ARTIGO FOI PUBLICADO ORIGINALMENTE NA EDIÇÃO DE ABRIL (#364) DA REVISTA FARMÁCIA DISTRIBUIÇÃO