O Pharma Supply Chain 2023, organizado pela Supply Chain Magazine, reuniu 139 participantes no Auditório CUF Descobertas, em Lisboa. Através do mote “Tempos de Transformação”, foi uma tarde enriquecedora do ponto de vista dos temas abordados. Desde os principais desafios logísticos ligados à indústria farmacêutica e healthcare no pós-covid, passando pela importância de colocar os pacientes no centro da equação, bem como pela necessidade crítica da adoção de tecnologia e pela importância de nos focarmos nas pessoas, ficou claro que se a logística não é panaceia para todos os males, com processos afinados e comunicação consegue eliminar muitas dores de cabeça aos gestores destas cadeias de abastecimento.
“Da unidade de saúde ao paciente: que logística”, este foi o tema de abertura do evento, levado a cabo pelo Professor Crespo de Carvalho, coordenador da Pós-graduação em Logística e Gestão da Cadeia de Abastecimento, do ISCTE Executive Education, que falou sobre logística na área da saúde. Durante a sua intervenção, trouxe à superfície a importância de integrar o paciente na equação da eficiência e eficácia logística. Começou por apontar as tarefas que visam atingir a eficiência e eficácia logística na área hospitalar, como desenhar processos, identificar eventuais bottlenecks no sistema, fazer inventários e focar na redução de custos. “Tudo isto se passa como se o hospital não tivesse pacientes”, exclamou.
José Crespo de Carvalho salientou também a necessidade de criar uma experiência ao paciente, e não apenas fornecer-lhe um serviço, dando como exemplo o longo tempo de espera que se vive, por norma, num hospital. “Não ligamos grande importância à logística da fila de espera. O tempo de espera tem tudo que ver com logística”, garante, acrescentando ainda que já há formulações para se lidar com esse constrangimento. Termina assumindo que “estamos muito orientados para a eficiência e eficácia organizacionais, e não para a eficiência e eficácia para o paciente nos sistemas organizacionais”.
De seguida, Cátia Gouveia, market analysis manager da GS1 Portugal, trouxe o tema “Eficiência e Sustentabilidade na cadeia de valor da saúde” e centrou a sua apresentação no trabalho que a GS1 Portugal tem vindo a desenvolver, desde 2016, com o seu estudo “Benchmarking Saúde”, uma ferramenta para avaliar o nível de serviço logístico e a relação comercial ao longo da cadeia de valor, permitindo aos laboratórios farmacêuticos e de dermocosmética ficar a conhecer como é que os seus clientes (parafarmácias, armazenistas, grupos empresariais de farmácias ou farmácias comunitárias) percecionam e avaliam o seu desempenho no mercado, nomeadamente a qualidade do serviço do ponto de vista logístico e por comparação com os outros laboratórios. Como salientou Cátia Gouveia, a última edição do estudo contou com 24 laboratórios, quatro parafarmácias, cinco armazenistas, 519 farmácias e 17 grupos de farmácias.
Nuno Figueiredo, national sales manager I&L da Adecco Outsourcing, abordou o tema dos desafios dos recursos humanos da cadeia de abastecimento na indústria farmacêutica, em que concluiu que, de facto, “as pessoas devem estar no centro da equação e devem ser vistas como matéria fundamental”.
Rui Oliveira, gestor de produto da XLOG, apresentou um caso de estudo destinado a uma parafarmácia, através da operação da DHL Healthcare focando-se no papel do WMS para o desafio da melhoria contínua. Neste caso, a operação consistia na preparação do abastecimento de lojas e diretamente para o cliente final, através da loja online. Entre as estratégias aplicadas, destacou o agrupamento de caixas de picking à unidade, na qual um algoritmo agrupa os volumes de acordo com o maior número de posições em comum; a substituição de reaprovisionamento clássico por bulk-picking; o controlo de peso incremental durante o processo de picking, através de carros de picking com balanças incorporadas; a reformulação do autómato de picking, na qual se incorporou um RF da XLOG no funcionamento do autómato; e, por último, a implementação de ligação por webservice com o cliente.
Ainda nos casos de estudo, a colaboração entre a CEGID Primavera e a Luz Saúde foi apresentada através de um business case entre as duas entidades. Daniel Batista, business developer midmarket Portugal da CEGID Primavera começou por fazer uma pequena introdução sobre a empresa e a sua recente mudança de nome e, de seguida, passou a palavra a Sérgio Quinteiro, da direção de logística e suporte operacional da Luz Saúde, que foi apresentando em conjunto com André Magro, senior project manager & product owner da Luz Saúde o trabalho que têm vindo a desenvolver. A Luz Saúde solicitou os serviços da CEGID Primavera para três operações diferentes. A primeira foca-se na GLSMED Trade, empresa do grupo Luz Saúde que distribui produtos, equipamentos e dispositivos médicos. Foram apresentados alguns dos desafios, como os processos de compra internacionais, a visibilidade de stocks na cadeia logística ou a gestão de lotes e validades.
A segunda é direcionada ao Hospital da Luz, em que os desafios já passavam por condições de compra do grupo, processos separados por tipologia de artigo (fármaco, DM, CC, Econ), rastreabilidade dos produtos e controlo de validades, gestão de pedidos internos, entre outros. Por último, a terceira operação diz respeito à GLSMED Center, cujos desafios se refletiam em processos de compra complexos, controlo de manutenção, gestão do ciclo de vida do equipamento, ou gestão de contratos de manutenção. A CEGID Primavera acabou por dar resposta às necessidades evidenciadas nas três operações.
“Da Mentalidade Transformista à Tecnologia” foi o mote que trouxe Tiago Seguro, head of pharma da Rangel Logistics Solutions, ao Pharma Supply Chain. Iniciou a sua intervenção com uma frase de Marcus Ronsoni, “Em tempos de transformação não podemos ser prisioneiros de ideias atrasadas”, referindo que é neste princípio que assenta a mentalidade transformista. “Inovar e transformar já deixou de ser opcional. É crítico e fundamental”, indicou. Destacou a importância do conceito de mentalidade inovadora, que consiste em abertura a novas ideias, oportunidades e soluções, ou resolução de problemas de forma criativa, e como incorporá-la na cultura organizacional, nomeadamente através do pensamento fora da caixa, investimento em ideias novas e inovadoras, e através do envolvimento de setores e colaboradores.
Uma das ideias que transmitiu foi que as empresas não necessitam de tecnologia para inovar, pois podem fazê-lo através de marketing criativo, de formação ou sustentabilidade. No entanto, apontou algumas razões para a adoção de tecnologia: aumento da produtividade e eficiência operacional, redução de custos e melhoria na tomada de decisão, sendo que a formação, o investimento, a resistência à mudança e a burocracia são alguns dos desafios adjacentes. “A inovação e transformação nas empresas está, efetivamente, dependente das pessoas, e não dos meios” sublinhou como mensagem final.
No final da tarde, a fechar, aconteceu uma mesa redonda na qual participaram Marcos Marques, administrador do Grupo Nossa Farmácia, Nuno Flora, presidente executivo da ADIFA, Ricardo Bastos, head of procurement and supply chain da CUF Serviços, e Rui Rocha, supply chain director da Unilabs Portugal. Rúben Loureiro, diretor de aprovisionamento e logística do Hospital Distrital de Santarém E.P.E. moderou a sessão que teve como mote para a conversa aquele que foi também escolhido como tema da conferência: “Tempos de Transformação”. Durante as várias intervenções, houve um assunto transversal: a pandemia de COVID-19. Rui Rocha começou por explicar como é que a Unilabs enfrentou este desafio, nomeadamente através da constante resposta às necessidades de testagem dos portugueses, e assegurando os materiais necessários para continuar no dia seguinte.
Segundo o supply chain director, estes processos de disrupção são constituídos por três fases: a primeira é a do “bombeiro”, ou seja, lidar com todos os desafios momentaneamente e tentar solucioná-los o mais rápido possível; a segunda é melhorar as operações com medidas que a médio prazo garantam eficiência; e a terceira foca-se na resiliência da supply chain. Embora tenha sentido que não foram tomadas todas as medidas necessárias, refere que é preciso ir mais além para criar uma supply chain mais resiliente, e isso deverá passar pela antecipação ou previsão de problemas para ter “a capacidade de resistir a estes fenómenos inesperados”.
Por sua vez, Marcos Marques, indica que neste momento estamos a viver o “síndrome pós-covid”, e ainda que algumas lições se tenham aprendido, outras perderam-se. Atualmente, as farmácias estão perante o desafio logístico de garantir medicamentos, uma vez que se está a sentir alguma falta de stock. “No pós-covid entendemos que é essencial trabalharmos em rede para tentar antecipar as necessidades do mercado”, indica. Destacou ainda a criação de um modelo de e-commerce que reúne todas as farmácias do grupo, permitindo ao paciente comprar os medicamentos de que necessita independentemente da sua localização, e sem estar perante problemas regulatórios.
A Nuno Flora foi imposta a pergunta “como é que a logística pode ajudar a solucionar problemas da indústria farmacêutica?”, e o responsável da ADIFA ironizou: “o que é aqui pedido é uma volta ao mundo”. Começou por falar dos desafios logísticos durante a pandemia, que passaram muito por “arriscar”, pela compra de materiais de proteção individual, pela difícil gestão no que diz respeito aos motoristas que tinham de fazer as entregas, pois muitos tinham contraído o vírus. Ainda assim, refere que “não é tanto o que nós aprendemos, mas o que a sociedade aprendeu connosco”, uma vez que “a saúde não era vista como uma infraestrutura crítica, como é agora”. No entanto, refere que neste mercado é mais importante falar de otimização do que de inovação, e esse processo passa pela automação. Desta forma, não afasta a necessidade de “mecanismos de previsibilidade”, para lidar com o risco que pode impactar as cadeias de abastecimento do medicamento.
Já Ricardo Bastos afirma gostar de colocar a tecnologia no fim. Indica que ainda que a tecnologia tenha esta característica “sexy”, é preciso “ter pessoas com skills, ter uma estrutura de processos”. “Se não tivermos processos uniformes em todo o lado, não há informática que resista”, disse.
A previsão foi um tópico que gerou alguma discórdia. Enquanto alguns a apontaram como uma estratégia de prevenção, Ricardo Bastos contrapôs a ideia, referindo que “os doentes não estão sempre a partir as mesmas partes do corpo” e, por esse motivo, a previsibilidade torna-se difícil. É preciso meios para assegurar todas as necessidades dos doentes. Quanto à pandemia, destacou o papel dos intervenientes da linha da frente (médicos e enfermeiros), e os que estavam mesmo atrás: a logística e a área das compras.
Texto de Ana Paiva