A seis anos da data definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para a eliminação da hepatite C, Portugal continua na corrida para garantir a redução em 90% do número de novos casos de infeção e a diminuição da mortalidade em 65%, até 2030. Mas estaremos mais perto de alcançar este objetivo? O encontro “Targeting 2030”, organizado pela Abbvie para debater estratégias concretas para alcançar a meta colocada pela OMS, médicos especialistas e diversos peritos na área alertaram para a necessidade urgente de analisar a situação dos migrantes em Portugal. Arsénio Santos, presidente da Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado, destaca que “têm existido inúmeros esforços no sentido de identificar o maior número possível de pessoas infetadas e tratar todos os casos positivos. No entanto, através dos migrantes poderão estar a chegar novos doentes que não estão a ser acompanhados”.
Cristina Valente, presidente do Grupo de Estudos Português da Coinfeção, explica que “existe uma grande probabilidade de o cenário epidémico dos portugueses vir a mudar, uma vez que estamos a acolher pessoas oriundas de países onde as taxas de infeção por hepatite C são elevadas”. Para a especialista, “cabe às autoridades competentes criar uma estratégia que torne possível fazer, à chegada ao País, o encaminhamento destas pessoas para as unidades de saúde”. Além dos migrantes, Cristina Valente relembra também que outro grande grupo de risco são os utilizadores de drogas, uma população particularmente difícil de alcançar.
De facto, e segundo o Prof. Armando Carvalho, hepatologista, “é neste grupo de risco (pessoas que usam drogas) que se encontra o reservatório da doença e é, por isso, necessário trabalhar com estas pessoas para garantir a macro-eliminação do vírus”. Mas como é possível chegar até estas populações?
Para responder a esta questão, o Dr. Filipe Calinas, médico especialista em hepatologia, explica que é necessário “empatizar com estes doentes, estar na sua pele e compreender as suas necessidades e prioridades”. Quem acompanha estes grupos são as organizações não governamentais que estão no terreno. Por esse motivo, “é preciso que exista uma coordenação entre estas, os médicos e as autoridades competentes”, acrescenta o especialista, que reforça também a importância de se criar um rastreio “direcionado para pessoas a partir dos 50/60 anos, com historial de utilização de drogas, principalmente na época dos anos 80 e 90”.
No entanto, seja devido ao estigma associado ao consumo deste tipo de substâncias, ou porque querem simplesmente esquecer o passado, muitas pessoas não abordam abertamente este tema, sendo, por isso, da responsabilidade dos médicos de família obter uma boa história clínica de cada doente e estar atento a possíveis fatores de risco. Contudo, é crucial reconhecer que a prática da medicina nos cuidados de saúde primários está atualmente sobrecarregada, o que pode dificultar a adoção de uma abordagem clínica mais holística e centrada no paciente. Por esse motivo, o Dr. Nuno Marques, diretor clínico do Hospital de Setúbal, defende que “é essencial existir um envolvimento mais ativo das estruturas governamentais na definição de indicadores e rastreios adaptados às necessidades específicas e incidência da infeção por hepatite C. Além disso, é fundamental aumentar a literacia sobre esta doença tanto para os utentes como para os profissionais de saúde, especialmente nas populações mais vulneráveis, onde o modelo tradicional de cuidados de saúde pode não ser suficientemente eficaz”.
Na opinião do Dr. João Goulão, diretor do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências, outra estratégia importante para alcançar a população passa pela disponibilização do teste rápido de rastreio nas farmácias. O especialista explica que “incluir as farmácias na estratégia para a eliminação da hepatite C é muito relevante devido à sua capilaridade e proximidade com as comunidades locais”.