Política, políticas e opções adiadas 945

Em Portugal existe, na Saúde como em tantos outros aspetos, uma confusão permanente entre política – a politics britânica, regida pela avaliação com carácter mais ou menos eleitoralista das decisões coletivas a serem tomadas – e políticas – consideradas como as policies britânicas, isto é, planos e atividades baseados em evidência científica com vista a intervir na sociedade para melhorar as condições de vida dos cidadãos. O artigo de Francisco Goiana da Silva faz uma descrição clara do que sucedeu no caso do imposto sobre o sal, em que a política se sobrepôs… à política. A questão essencial é que, enquanto a última se baseia na evidência, a primeira baseia-se, na pior das hipóteses, em meras opiniões sem suporte objetivo.

Este problema recorrente permeia o nosso sistema de decisão política – um elemento que assume tanta mais relevância quanto, como bem se denota no Relatório sobre os Fluxos Financeiros do SNS divulgado pelo Conselho Nacional de Saúde em novembro passado, 57,3% do financiamento do sistema de saúde português em 2016 foi feito pelo erário público, sendo outros 27,7% esforços financeiros das famílias via pagamentos diretos (bem acima da média de cerca de 10% na OCDE).

Somos assim chamados a encarar os principais desafios de forma criativa, sob pena de ver o sistema colapsar face ao adiamento perpétuo de opções políticas baseadas na evidência. O risco de caminhar para uma situação insustentável – uma em que a proteção financeira dos cidadãos já não é assegurada, em que a equidade no acesso a cuidados de saúde de qualidade fica comprometida, em que a população viverá com menos saúde, e na qual as profissões lutarão cada vez mais por recursos cada vez mais escassos – é real. Se não gerarmos os incentivos certos, unindo forças para criar um verdadeiro Sistema Nacional de Saúde, corremos o risco de deixar cair uma das conquistas civilizacionais da nossa democracia. Não podemos ignorar estes temas, sob pena de arriscarmos demasiado.

Temos, primeiro e antes de tudo, de reconfigurar o Ministério da Saúde, para que este o seja na verdadeira aceção da palavra. Isto implica investir muito mais na promoção da saúde e na prevenção da doença – que representam hoje apenas cerca de 1% da despesa pública em saúde – para que estes fatores modificadores a montante permitam tratar melhor e mais eficientemente a jusante.

É igualmente necessária uma nova abordagem aos conflitos entre as profissões da saúde, alinhando-as através da conceção de novas equipas de caráter multidisciplinar e focadas no paciente, permitindo uma alocação de tarefas mais eficiente e melhor qualidade para o paciente. Bem, assim, urge clarificar os fluxos financeiros entre unidades públicas e privadas para credibilizar o sistema, bem como flexibilizar as estruturas de cuidados por forma a transformar os cuidados de saúde em ciclos focados na pessoa humana, que incluam, além do tratamento, práticas de prevenção e promoção da saúde tão necessárias para a gestão efetiva da doença.

Um estudo da OMS em 2014 apontava para um desperdício de entre 20 a 40% do dinheiro gasto mundialmente em Saúde – dinheiro utilizado sem benefícios tangíveis para os pacientes. É fulcral otimizar processos e identificar bolhas orçamentais, aplicando melhor o dinheiro que temos para suprir as reais necessidades da população. Uma das mais prementes é a implementação de uma verdadeira Rede Nacional de Cuidados Continuados e Integrados, que, incorporando na sua gestão todos os decisores relevantes – públicos, privados, e sociais – supervisione o cumprimento de responsabilidades nas respetivas áreas de atuação. É igualmente crucial aumentar a autonomia decisória e responsabilização dos gestores de cuidados de saúde, de modo a rentabilizar custos incorridos e melhorar serviços e valências sem comprometer economias de escala.

E, se a vida do País nos momentos mal-amados não o permitiu, se a fraqueza dos atos consentidos não o possibilitou, é inadiavelmente necessária coragem para agir: a defesa do futuro da saúde dos portugueses assim o exige.

Referências:
1. Goiana da Silva, Francisco (2017) “E viveram hipertensos, obesos e diabéticos para sempre…”. Artigo de opinião em Público, 3 de Dezembro de 2017, disponível em https://www.publico.pt/2017/12/03/sociedade/opiniao/e-viveram-hipertensos-obesos-e-diabeticos-para-sempre-1794341
2. Conselho Nacional de Saúde (2017) “Fluxos Financeiros no SNS”. Disponível em http://www.cns.min-saude.pt/wp-content/uploads/2017/09/Fluxos_Financeiros_SNS_3.11.2017_final.pdf.
3. World Health Organization (2014) “WHO Global Health Expenditure Atlas”. Disponível em http://www.who.int/health-accounts/atlas2014.pdf

Diogo Nogueira Leite

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)