Quando qualquer um de nós pede uma bica no café do bairro onde mora, ou no café que fica ao pé do local de trabalho, sabe que as bicas de um e do outro café não serão muito diferentes uma da outra. Quando nos deslocamos a um hospital, todos nós genericamente supomos que, para uma determinada condição, os resultados de saúde de um e do hospital não serão muito diferentes uns dos outros. A verdade é que as diferenças podem ser muito significativas. Na Alemanha, a taxa de reoperação após uma cirurgia de substituição do quadril do melhor hospital é 18 vezes inferior à taxa de reoperação do pior hospital. Na Suécia, a variação das complicações capsulares após uma cirurgia de catarata é de 36 vezes. Por outras palavras, o melhor hospital sueco tem resultados 36 vezes melhores do que o pior hospital. Assim, podemos ter a expetativa de equivalência da oferta quando vamos tomar uma bica mas não podemos ter a mesma expetativa de equivalência da oferta quando entramos num hospital. Isto também se aplica às unidades de cuidados primários.
O problema da variação dos resultados de saúde entre prestadores não é um problema exclusivamente português mas é um problema que também temos seguramente no nosso país. Por resultados de saúde, refiro-me aos resultados por doença, que decorrem de um ato clínico, e ao nível do indivíduo tratado.
Este constitui um problema grave porque isto significa que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem estado a financiar atos clínicos que não são tão bons quanto poderiam ser. Isto tem implicações diretas ao nível do bem-estar do cidadão – que não foi tão bem tratado quanto poderia ter sido, e que, por consequência de um tratamento que não foi tão bom quanto deveria, ficará mais tempo doente e/ou verá a sua doença agravar-se desnecessariamente. Isto também tem implicações ao nível do sistema público de saúde porque um mau tratamento poderá induzir mais doença e logo mais custos para o sistema. Afinal quanto custa um mau tratamento?
É essencial que o SNS passe a acompanhar ao longo do tempo os resultados de saúde por condição e ao nível do doente, que passe a divulgar essa informação, e que passe a agir com base na informação recolhida.
Temos também aqui um problema grave de desigualdade no acesso e de falta de transparência. Uns cidadãos podem ter a sorte de ter à porta de casa um hospital que produz os melhores resultados de saúde. Outros cidadãos podem ter o azar de ter à porta de casa um hospital que produz os piores resultados de saúde. Pior do que existir esta desigualdade é os cidadãos estarem completamente no escuro em matéria de resultados de saúde dos prestadores.
Quando um doente entra num hospital, entra de boa fé, confia no Estado, e confia designadamente que o Estado lhe está ali a garantir o melhor tratamento possível sob uma perspetiva do que a ciência permite fazer. A verdade é que o cidadão pode estar a entrar numa organização de saúde cujas práticas conduzem a muito maus resultados. Por esta razão, no outro dia, numa conferência em Londres, uma doente de Alzheimer defendia que conhecer os resultados de saúde dos prestadores, por doença, e ao nível do indivíduo tratado, deveria ser um direito consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Esta informação deve efetivamente ser recolhida e deve ser tornada pública. Os cidadãos devem poder conhecer os resultados de saúde dos prestadores. Os médicos também precisam desta informação para melhorarem as práticas clínicas e para saberem para quem devem referenciar os doentes. Esta informação permitirá ao SNS promover a adoção das melhores práticas clínicas e não pagar os maus tratamentos como se de bons tratamentos se tratassem.
Muitos dirão que não faltam indicadores de qualidade em Portugal. Há muitos anos que temos indicadores como a taxa de mortalidade infantil e a Entidade Reguladora de Saúde (ERS) até atribui estrelas aos hospitais que apresentam indicadores de qualidade suficientes. Existem indicadores globais mas não existem indicadores por doença e ao nível do indivíduo tratado. A melhoria dos cuidados de saúde prestados só acontecerá quando esta informação for recolhida e divulgada. As estrelas da ERS referem-se à qualidade de processos. Existe uma correlação positiva entre bons processos e bons resultados mas os alegados bons processos não garantem os bons resultados. Usando a linguagem futebolística, ter muita posse de bola e um bom meio campo não garante nem os golos, nem a vitória.
Estamos no mês de agosto de 2018 e uma parte considerável da Serra de Monchique ardeu há dias. A atuação que devemos ter na saúde não é muito diferente da atuação que se apregoa para a floresta. Devemos primeiro prevenir. Caso haja um problema depois, devemos garantir que ele tem um impacto tão pequeno quanto possível. Com a floresta, o objetivo é não haver incêndios. Devemos prevenir e limpar as matas (entre outros aspetos que vão muito para além do âmbito deste artigo). Se houver um incêndio, queremos que ele esteja circunscrito a uma área pequena e que provoque poucos danos. Com a saúde, o objetivo deve ser não haver doentes. Quanto menos doentes ou doença houver, menos custos haverá também – de saúde e financeiros. Devemos prevenir a doença e promover hábitos de vida saudáveis. Se houver doentes, devemos tratá-los da melhor maneira para que eles deixem de ser doentes rapidamente ou para que não atinjam estadios de doença complexos.
A informação sobre os resultados de saúde dos prestadores, por doença, e ao nível do indivíduo tratado, é fundamental para podermos minimizar o número de doentes e a doença, melhorando os cuidados de saúde prestados e garantindo que todos têm acesso ao melhor tratamento, e constituir um contributo importante para a sustentabilidade do nosso sistema público de saúde.
João Marques Gomes
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova SBE Health Economics and Management Knowledge Center. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)