A prescrição de medicamentos em situação de off-label “é mais uma situação” a juntar à lista de razões pelo qual os farmacêuticos comunitários devem ter acesso aos dados de Saúde dos doentes, garante ao Netfarma Carlos Maurício Barbosa, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos (OF) entre 2009 e 2015.
Um dos relatores do Parecer Nº 123/CNECV/2023 sobre o uso off-label de medicamentos do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), ao lado do jurista André Dias Pereira e do médico Miguel Guimarães, Carlos Maurício Barbosa assegura que o receituário deverá mencionar o uso off-label do medicamento e que os farmacêuticos comunitários deverão ter acesso aos dados de Saúde para melhor aconselhar o doente.
“Quando o médico tem a consciência de que está a fazer uma prescrição off-label de um medicamento, tem que haver lugar no receituário para a inscrição dessa prescrição”, para que os profissionais de Saúde intervenientes no processo tenham este conhecimento e possam “contribuir para a segurança e efetividade da terapêutica”, diz.
Dados de Saúde “não pertencem ao Estado”
Ao Netfarma, o responsável lembra que “o farmacêutico tem uma função importante na terapêutica”, mas que na ausência de informação completa “o seu contributo pode ser colocado em consideração”. Abordar mais uma vez a prescrição off-label e o que isso implica, continua, é importante para o total esclarecimento do doente.
“Os dados pertencem ao doente, não ao Estado”, reitera ainda, ao explicar que com este acesso “o farmacêutico poderá realizar de forma muito mais cabal as funções que lhe competem”, para que assim “os resultados clínicos pretendidos pelo médico, quando faz a prescrição, sejam alcançados” da forma pretendida.
Ao Netfarma, Carlos Maurício Barbosa refere também que do ponto de vista técnico os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde “têm tudo pronto para qua a qualquer momento esteja a decisão política tomada”.
Uniformização de procedimentos
Na última semana, o CNECV difundiu o seu Parecer sobre o uso off-label de medicamentos, ao sublinhar que existe atualmente em Portugal uma “manifesta heterogeneidade de procedimentos”, que importa uniformizar. “O assunto é muito complexo, implicou grande reflexão no Conselho e a audição de várias pessoas exteriores, como o presidente do Infarmed [Rui Santos Ivo] e médicos de várias especialidades”, informa.
Referindo ser fundamental a existência de um consentimento informado por parte dos doentes, Carlos Maurício Barbosa diz existir uma “diversidade de procedimentos no país” no que diz respeito às atuações das Comissões de farmácia e terapêutica e de ética hospitalar, bem como ao seu uso em regime hospitalar ou em ambulatório.
Neste sentido, o CNECV definiu três situações distintas que exigem procedimentos próprios no que ao uso off-label de medicamentos diz respeito. A primeira situação abrange a maioria da prática clínica diária, com provas reconhecidas que se encontram instituídas. Aqui, ambas as Comissões “podem avaliar este assunto e fazerem aprovações genéricas para aquele hospital que permita que aqueles medicamentos sejam utilizados em todos os doentes que precisem”. Não será necessária uma autorização para cada caso, “pode ser, por exemplo, a quatro anos” e o consentimento poderá ser dado verbalmente e registado no processo clínico do doente.
No segundo caso, que implica um uso off-label pontual, num doente específico, de medicamentos no mercado há vários anos, exige-se “uma avaliação prévia pormenorizada doente a doente”, que deverá consentir por escrito. No último caso, afeto a medicamentos inovadores, “por definição dispendiosos e que estão no mercado há pouco tempo”, é necessária uma avaliação farmacoeconómica caso a caso e um consentimento por escrito.
CNECV alerta para necessidade de padronização do uso off-label de medicamentos
No comunicado da CNECV da semana passada é recomendado que as comissões de farmácia e terapêutica e as comissões de ética das Administrações Regionais de Saúde assumam responsabilidades de avaliação do uso off-label de medicamentos em condições equiparáveis ao contexto hospitalar.
Também as Ordens profissionais dos médicos e dos farmacêuticos, no âmbito da sua missão reguladora das boas práticas profissionais, “devem assumir um papel mais ativo em matéria de uso off-label de medicamentos, nomeadamente pronunciando-se e emitindo recomendações, nos planos técnico-científico, deontológico e ético”.