Existimos numa sociedade progressivamente mais “crónica”. Temos uma população mais idosa com múltiplas comorbilidades; no entanto, a maioria da atenção clínica é dedicada a episódios de doença. Isto é tanto mais interessante quando se considera que a terapêutica farmacológica está mais acessível, assim como a informação disponível. Quando é que vamos passar das palavras aos atos quando dizemos que “é melhor prevenir do que remediar”?
A evidência científica disponível aponta-nos a necessidade de usar perspetivas integradas de longo-prazo no sistema de saúde. Aponto três casos em que essa não tem sido a preocupação:
O primeiro considera as situações difíceis de medir, tal como os efeitos dos programas escolares de educação para a saúde e o seu efeito no longo-prazo. As vantagens assentam no estudo dos efeitos da adoção de um estilo de vida saudável e os consequentes ganhos em saúde ao longo da vida, nomeadamente na redução da incidência de doenças crónicas e na melhoria da sua condição física e mental. A principal limitação está associada com a criação e coleta de dados sobre estes indicadores, sendo que o estudo do seu efeito a longo-prazo implica o seguimento de determinada população desde tenra idade, a sua contínua adesão e o consentimento para ser seguido. Também é importante que esta intervenção seja alicerçada no aumento da literacia em saúde.
O segundo considera o acesso aos cuidados e serviços de saúde em momentos que a condição ainda é reversível. Falamos de condições que requerem acesso assíduo a cuidados de saúde primários (e consequentemente médico de família), assim como exames complementares de diagnóstico e terapêuticas adequadas. A demora destas condições traz consequências económicas e humanas devastadoras: as limitações no acesso, frequentemente relatadas, aumentam a pressão nos serviços de urgência e cuidados hospitalares em fases mais tardias da doença. Isto resulta, para além do inevitável aumento de custos, num agravamento dos sintomas e numa diminuição da qualidade de vida. Além de que pode retirar flexibilidade ao sistema de saúde, tornando difícil responder, por exemplo, a novas epidemias.
O terceiro exemplo é muito comentado e invocá-lo tende a cansar a maioria da população: COVID-19. Se a vacinação evita formas graves da doença e as medidas não farmacológicas ajudam na prevenção da transmissão, por que razão estamos a cancelar ou renunciar a muitas destas medidas? Apesar de estarmos a conseguir uma imunização alargada da população – natural ou artificial – não se estão a considerar as limitações associadas à COVID de longo-prazo e os seus custos associados com exames, hospitalizações, absentismo e perda de qualidade de vida.
Estes exemplos denotam uma tendência exagerada do nosso sistema para remendar o que foi quebrado, em vez de evitar que se quebre. Será a natureza humana? Incentivos?
Em todo o caso, uma coisa parece certa: se prevenir é o melhor remédio, então o que temos andado a dar aos portugueses?
Joana Gomes da Costa
Economista da Saúde – Institute of Health Economics