Apesar de ser responsável por 25% do peso da doença mundial, o continente africano tem ainda um acesso reduzido a medicamentos, em parte devido à escassa disponibilidade e aos custos elevados de alguns destes produtos(1). África importa a esmagadora maioria dos medicamentos que consome, razão que leva muitos autores a considerarem que o desenvolvimento da indústria farmacêutica local poderá melhorar o acesso a medicamentos no continente, sob o pressuposto que uma forte indústria local deve assegurar uma oferta mais estável, rápida, flexível e dirigida às exigências locais (2,3). Experiências semelhantes na Ásia e América Latina também mostram que a produção local de medicamentos pode ser eficiente, estratégica para a realização das políticas públicas farmacêuticas, e ainda ajudar o desenvolvimento industrial do país (4,5). Contudo, devido à enorme redução de preços trazida pelos genéricos de origem asiática, muitos investigadores acreditam que, em vez de desperdiçar dinheiro no desenvolvimento da indústria farmacêutica local, os governos nacionais e as iniciativas globais internacionais deveriam enfocar-se na compra de fármacos de qualidade a baixo custo a produtores indianos e chineses (6). Outro argumento contra refere que os países africanos raramente conseguem reunir as condições necessárias para uma produção eficiente e de qualidade de medicamentos, e que, de qualquer forma, os preços elevados destes produtos são devido às suas patentes internacionais de proteção que não podem ser ultrapassadas através da produção local (7,8). A pandemia do VIH/sida tem vindo a acentuar os termos deste debate, pois tem levado África à procura sustentada de medicamentos antirretrovirais caros e tecnicamente difíceis a produzir. Apesar da escassez de fundos e do contexto industrial e de governação frequentemente desfavorável, a indústria farmacêutica do continente africano tem vindo a desenvolver-se progressivamente desde 1930, em particular na África do Sul no período do apartheid, nos países do Norte e nas antigas colónias britânicas. Atualmente, cerca de 38 países do continente possuem algum tipo de indústria farmacêutica nacional, destacando-se o caso da África do Sul, onde se produz até o ingrediente farmacêutico ativo, o da Nigéria, onde existem perto de 200 empresas farmacêuticas, do Quénia, Zimbabwe e Uganda, que contam com um setor farmacêutico diversificado (9). Entre os PALOP, só Moçambique conseguiu recentemente instalar uma fábrica nacional de produção de medicamentos com o apoio da Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento (10). Portanto, a pergunta nasce espontânea: Porque é que as empresas nacionais africanas estão a difundir-se em todo continente apesar das dificuldades ligadas à falta de fundos e às carências do sistema produtivo local? A análise das mais recentes iniciativas (11) revela que as empresas africanas não deveriam conseguir produzir medicamentos a preços competitivos a curto prazo, mas que uma série de benefícios derivaria da produção local, fator que tem atraído os subsídios públicos – tais como o desenvolvimento do tecido industrial do país e a segurança da cadeia nacional de abastecimentos de medicamentos. Nos próximos anos, com o fim do período transitório de aplicação das patentes, os países de renda média-alta já não poderão recorrer à China e à Índia para a importação de medicamentos baratos (12), e há quem defenda que só a presença de uma indústria farmacêutica nacional permitirá aos governos destes países aproveitar em pleno a opção do compulsory licencing, ou seja, de quebrar o regime das patentes farmacêuticas e mandar produzir genéricos localmente (13). Provavelmente a conjuntura de fatores como (a) a melhoria das condições económicas em vários países do continente e dos subsídios públicos à produção local, (b) as mudanças recentes no regime de patentes internacionais, bem como (c) a disponibilidade inusitada de fundos para compra de medicamentos do VIH/sida tem criado as condições para os empresários africanos investir no desenvolvimento da indústria farmacêutica do continente, mesmo apesar da escassa competitividade do produto farmacêutico local. Será interessante avaliar se este desenvolvimento terá “pernas para andar” também no futuro quando se alterarem os fatores anteriormente mencionados. Referências bibliográficas: Giuliano Russo, DrPH, Lecturer in health economics, Instituto de Higiene e Medicina Tropical (A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.) |