No ano em que se assinalam as três décadas que marcam o início da comercialização, em território nacional, de medicamentos genéricos, as dúvidas e receios por parte dos cidadãos parecem ter-se dissipado e o futuro apresenta-se com “imenso potencial” para estes medicamentos.
O dia 8 de julho de 1992 marca o início deste longo percurso, quando o então ministro da saúde Arlindo Carvalho assinalava, numa cerimónia simbólica, a introdução dos primeiros genéricos no mercado português. No entanto, num percurso com dificuldades de disseminação, passados cerca de 10 anos, ainda não representavam 1% das vendas, que apenas acabariam por ser impulsionadas, quase duas décadas depois, pela ‘troika’.
Em declarações ao Netfarma, Maria do Carmo Neves, presidente da Associação Portuguesa de Medicamentos Genéricos e Biossimilares (APOGEN), faz o balanço de 30 anos de genéricos no mercado, ao mesmo tempo que analisa o particular ano de 2011, o contributo essencial destes medicamentos para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e perspetiva consideráveis aprovações de novos fármacos para os próximos anos.
Da pouca relevância ao estabelecimento coeso
O que começou por ser um processo reprodutivo de medicamentos originais, que não tinham a bioequivalência que, hoje, as autoridades do medicamento europeias exigem, os genéricos passaram a garantir cientificamente as mesmas características que os de marca, fixando-se com uma quota próxima dos 50% em meio ambulatório.
Num balanço que é “claramente positivo, apesar de ter sido um caminho feito de altos e baixos”, Maria do Carmo Neves reitera que “foi realizado um enorme trabalho de valorização destas tecnologias de saúde mais custo-efetivas graças à divulgação e promoção pelo Ministério da Saúde, com particular destaque para o Infarmed”. Também “o forte contributo” dos prescritores, das farmácias e da indústria farmacêutica, explica também, “foi decisivo na construção da confiança da pessoa com doença”, que necessita destes recursos mais económicos.
“Medicamentos Genéricos, porque as pessoas merecem”. A campanha, promovida pelo Infarmed em 2002, foi o ponto de viragem na história destes medicamentes e seguiu-se ao recrutamento e à formação de Técnicos de Divulgação de Genéricos (TDG), que realizaram mais de 500 sessões a nível nacional para promover genéricos como medicamentos de qualidade, envolvendo mais de 6 mil médicos e cerca de 900 farmacêuticos.
No entanto, e apenas por força da ‘troika’, houve uma mudança drástica na representatividades dos genéricos em Portugal. “Considerando que os medicamentos genéricos, assim como os biossimilares, têm um papel crucial na alocação de recursos para o financiamento de mais cuidados e novas tecnologias de saúde, não há dúvidas de que contribuíram para o maior acesso à saúde, especialmente num contexto tão crítico como a crise económica e social de 2011″, diz a responsável, ao relembrar a sua “inquestionável segurança, qualidade e eficácia”.
Este ano foi marcado por razões legislativas. “Em 2008 debatíamo-nos com o bloqueio na aprovação de preços dos medicamentos genéricos pela DGAE devido à proliferação de providências cautelares junto do tribunal administrativo, situação que se protelou até 2011 e que foi desbloqueada através da publicação da Lei 62/2011″, relembra Maria do Carmo Neves. Lei essa que, continua, “define o regime de composição dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e genéricos”.
Poupança para o SNS e credibilidade junto dos portugueses
Nos primeiros seis meses do ano, os medicamentos genéricos dispensados nas farmácias geraram a poupança de mais de 225 milhões de euros para o Estado e famílias, permitindo alocar recursos ao SNS. Ainda assim, e do crescimento de 36 milhões em poupança relativamente ao igual período de 2021, a quota de genéricos mantém-se estagnada nos 48,8% desde 2018. “Ainda existem reservas junto de alguns profissionais de saúde”, assume.
Para a APOGEN, “é necessário que nos próximos 5 anos, 6 em cada 10 utentes possam beneficiar das vantagens dos medicamentos genéricos, de modo a que os níveis de adoção sejam iguais aos encontrados nos países europeus mais desenvolvidos economicamente”. Maria do Carmo Neves considera que “a evolução da quota dos medicamentos genéricos representa uma alternativa eficiente, uma vez que a sua penetração reflete um importante indicador de desenvolvimento social e, em simultâneo, democratiza o acesso à saúde”.
A confiança da população, assegura, tem crescido, “até porque um estudo de 2021 encomendado pela APOGEN à Gfk mostrou que os utentes têm uma perceção favorável sobre genéricos, com 85% dos inquiridos a considerar a sua existência como “positiva” ou “muito positiva”, o que significa que evoluímos muito, em parte, graças aos prescritores e às farmácia”. Maria do Carmo Neves diz ainda que “é igualmente necessário adequar os sistemas de incentivos para uma maior adoção de medicamentos genéricos”.
Perspetivas de crescimento
O Infarmed financiou 95 processos de novos genéricos até maio, uma subida de 64% em relação ao ano anterior. “A aprovação e a comparticipação de novos medicamentos genéricos estão dependentes das datas em que terminam as patentes dos respetivos medicamentos de referência, sendo por isso caracterizado por ciclos. 2022 e 2023 são anos com imenso potencial para o lançamento de novos medicamentos genéricos porque expiram as patentes de muitos medicamentos inovadores”, conclui a presidente da APOGEN.
Com os antidiabéticos a representar 23% do total da despesa do SNS no mercado ambulatório, “2022 pode ser um ano de inflexão desta tendência, uma vez que serão lançados vários medicamentos genéricos antidiabéticos”. Para Maria do Carmo Neves, “tal representa uma oportunidade para uma gestão mais eficiente dos orçamentos familiares, reduzindo os custos com medicamentos, e para a libertação de recursos no SNS que poderão ser alocados para mais cuidados de saúde e novas tecnologias de saúde”.