O tema é antigo, foi alvo de alguma discussão muitas vezes excessivamente norteada por argumentos ideológicos, raramente centrado nas necessidades da pessoa doente e mantém-se por resolver de um modo satisfatório: quem, onde e como devem ser prestados os cuidados médicos das pessoas com doença mental de evolução prolongada.
A pandemia que o mundo está a tentar resolver, matou até ao momento perto de 400 000 pessoas e atingiu quase 7 milhões em 213 países. O quadro clínico desencadeia um quadro respiratório agudo de complexidade variável e sendo transversal a todos, há pessoas com riscos acrescidos. As pessoas com condições clínicas prévias apresentam um risco acrescido, como a idade avançada, ser portador de outras patologias médicas como patologia psiquiátrica, a residir na comunidade ou em instituições residenciais.
Recuando um pouco, estamos todos lembrados do movimento da desinstitucionalização da doença mental nos anos 80-90 que teve como ideia central o fecho das grandes instituições psiquiátricas e a inserção da pessoa com doença mental na comunidade. Dentro deste conceito a pessoa com doença mental deve preferencialmente recorrer aos cuidados primários para ser tratada de todos os seus problemas de saúde pelos médicos de clínica geral.
A pessoa com doença mental de evolução prolongada, não pode ser tratada dos seus problemas de saúde no modelo de cuidados de saúde primários, muito vocacionado para o tratamento da doença médica crónica não complicada, fazer prevenção primária e secundária, tem um princípio de gestão focado nos resultados e a avaliação de serviços é exclusivamente quantitativa. O que aconteceu ao longo destes anos, foi por muitos presenciado e reconhecido, está por discutir e ser feita a reparação necessária.
Esta realidade pandémica só veio recolocar o que até já sabíamos:
– tratar uma diabetes ou uma hipertensão da pessoa com doença mental não é a mesma coisa que tratar a mesma doença na pessoa sem doença mental.
– esta realidade é particularmente mais crítica à medida que envelhecem, em que a perda cognitiva dá-se com mais gravidade, a autonomia já anteriormente afetada fica ainda mais atingida e por isso ainda com menos condições de garantir os comportamentos de autoproteção.
– quando as pessoas com doença mental vivem em estruturas residenciais, estas estão muitas vezes insuficientemente equipadas para o tratamento das doenças médicas, com pouco investimento na qualidade técnica dos cuidados médicos no âmbito da Clínica Geral.
– quando estas pessoas vivem na comunidade, decorrente da história da doença e da sua própria vida, tem invariavelmente mais patologias do foro cardiovascular, cardiorrespiratório e endócrino e ao mesmo tempo menos recursos em todas as vertentes, familiar, financeiro e mesmo comunitário. Ou seja estão ainda mais sós!
Isto põe em causa o modelo existente para a maioria das unidades residenciais para pessoas com doença mental, desenhado segundo as normas legislativas, com um quadro técnico pouco investido nomeadamente na área clínica.
Descurar isto é negar a doença mental, a sua natureza, o seu dano global com os seus condicionalismos e consequências e sobretudo deixar de centralizar no processo de tomada de decisão a pessoa com doença mental.
Dra. Lurdes Santos
Licenciada em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Especialista em psiquiatria. Assessora clínica da Província de Portugal das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus