A crescente incidência de doenças crónicas e os custos diretos e indiretos que lhes estão associados impõem grandes pressões financeiras e organizacionais nos sistemas de saúde, que se veem forçados a encontrar mecanismos de prevenção e tratamento mais adequados a este tipo de condições. De acordo com a Direção-Geral da Saúde, no ano de 2010, 85% da carga da doença, expressa em anos de vida perdidos ajustados por incapacidade, devia-se a doenças crónicas. As doenças crónicas, em oposição às doenças agudas, tendem a ter origem em causas múltiplas, desenvolvem-se de forma gradual, revelam sintomas permanentes ou recorrentes e, tipicamente, não são curáveis. Neste sentido, a crescente prevalência de doenças crónicas exige um particular esforço de adaptação, na medida em que os sistemas de saúde estão historicamente organizados para responder de forma fragmentada a episódios agudos, em meio hospitalar, ao passo que o tratamento de doenças crónicas requer uma abordagem multidisciplinar, cuidados a longo prazo e um seguimento mais próximo por parte dos profissionais de saúde, a fim de garantir que os pacientes adiram à terapia proposta. Tal como tem vindo a ser discutido pelo Dr. Luís Campos, a inexistência ou incipiência de um modelo de cuidados de saúde adequado ao tratamento de doenças crónicas traz ineficiências, como uma maior utilização dos serviços de urgência por doentes crónicos com complicações, bem como erros médicos resultantes de uma resposta isolada e pontual, a par da reconhecida falta de comunicação entre os médicos acerca do historial do doente. Adicionalmente, os modelos de financiamento tradicionais, baseados nos serviços desempenhados e não no valor gerado, não são criadores de incentivos para que os prestadores de cuidados de saúde mantenham os pacientes saudáveis, já que isso implicaria um menor número de serviços de saúde prestados e, por conseguinte, uma receita inferior. A título de exemplo, Christensen, Grossman e Hwang referem que, na maioria dos sistemas de saúde, os prestadores de cuidados não são pagos para acompanhar regularmente os doentes diabéticos de forma a garantir que estes adiram à terapia prescrita e que adotem estilos de vida saudáveis, mas, no limite, são pagos para amputar um membro a um diabético que sofra de gangrena – complicação esta que poderia ter sido evitada, pelo menos teoricamente, se tivesse sido feito um acompanhamento regular do paciente. Ou seja, segundo os autores, a maioria dos sistemas de saúde acabam por ser, na verdade, “sistemas de doença”. A este nível, o modelo de financiamento misto aplicado às Unidades Locais de Saúde (ULS) em Portugal, que incorpora uma componente de pagamento por capitação ajustada pelo risco, bem como os mecanismos de pagamento pelo desempenho introduzidos nalgumas ULS, criam incentivos para manter a população saudável. No entanto, o efeito destas medidas na gestão do doente crónico merece ser avaliado. É neste contexto que os modelos de Gestão Integrada da Doença Crónica (GIDC) surgem como uma resposta promissora à necessidade de cuidados de saúde adequados às doenças crónicas. Este modelo organizacional «passa pela colaboração e coordenação dos diferentes níveis de prestação de cuidados, no sentido de oferecerem cuidados integrados de saúde, com níveis de qualidade elevados em termos de prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e acompanhamento», segundo a proposta de Ana Escoval. Os modelos de GIDC recorrem ainda a um modelo de «pagamento por preço compreensivo», em detrimento do modelo tradicional de «pagamento por ato», com vista a, entre outros objetivos, estabelecer uma relação mais estreita entre o financiamento e o cumprimento de determinados parâmetros de qualidade e segurança clínica do doente. Contudo, poderão surgir questões na definição do preço compreensivo para doentes com multimorbilidade. Em Portugal, têm sido feitos significativos avanços no tratamento de doenças crónicas, mediante a implementação de modelos de GIDC. Atualmente estão em curso quatro programas de GIDC em Portugal: da diabetes, da obesidade de grau 3, da esclerose múltipla, bem como da doença renal crónica. De acordo com Anabela Coelho, há evidências de que o programa de Gestão Integrada da Doença Renal Crónica tem sido eficaz no gradual controlo dos custos, bem como numa melhoria dos resultados, devido à introdução de um modelo de pagamento por preço compreensivo que depende do cumprimento de parâmetros de segurança e qualidade, à adoção de uma gestão clínica apropriada e de uma orientação mais eficiente dos doentes dentro do sistema, que assegura que estes recebem o tratamento mais custo-efetivo e que evita a realização repetida e desnecessária de meios complementares de diagnóstico. Importa, futuramente, avaliar os restantes programas de GIDC sob várias dimensões, como sejam a capacidade de melhorar a qualidade dos cuidados de saúde prestados, de reduzir os custos médicos associados a uma dada população de doentes crónicos, bem como de melhorar a capacidade dos indivíduos procederem à autogestão da doença crónica. Se estes modelos de GIDC forem bem-sucedidos, na medida em que permitam controlar os custos, melhorar a satisfação dos doentes, reduzir a taxa de mortalidade e a taxa de internamento hospitalar da população abrangida pelos programas, bem como melhorar os parâmetros de qualidade associados ao tratamento da doença em questão, o alargamento dos programas de GIDC a outras doenças crónicas e outros grupos populacionais merece ser contemplado, contribuindo para a renovação do perfil das políticas públicas no setor. Referências: Carolina Cunha Santos (A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores) |