
Descubra qual a ‘reação adversa’ que Catarina Dias, candidata à presidência do Conselho do Colégio de Especialidade de Farmácia Comunitária, pela Lista E, eliminaria da profissão ou ainda qual o princípio ativo que melhor descreve a sua personalidade.
- Qual é o princípio ativo que melhor descreve sua personalidade?
Seria uma combinação entre o metilfenidato e um multivitamínico : mantenho as pessoas atentas, focadas e, ao mesmo tempo, com agilidade mental para enfrentar grandes desafios.
- Se a sua vida fosse uma bula, qual seria a principal contraindicação?
Medicamento com margem terapêutica estreita. Pode causar surtos de entusiasmo contagiante! Não recomendado para pessoas resistentes à mudança.
- Qual é o maior efeito colateral de ser farmacêutico?
A sensação constante de que o dia precisava de mais horas.
Somos farmacêuticos em primeiro lugar, mas também somos um pouco de tudo na vida de algumas pessoas… psicólogos para ajudar nos momentos de solidão, padres para contar o que se passa num momento de desespero, amigos leais para falar dos resultados do futebol ou assistente sociais para ajudar com os problemas do mundo real.
Entre responder a dúvidas de colegas menos experientes, aconselhar utentes e cuidadores, resolver questões burocráticas, garantir que tudo está a funcionar com elevados padrões de qualidade e dar atenção à família e aos amigos, sobra pouco tempo para respirar… mas, no final, cada sorriso de gratidão faz valer a pena.
- Qual foi a fórmula (ou decisão) mais inovadora que criou/tomou?
A fórmula mágica de combinar conhecimento técnico com empatia genuína, provando que a farmácia comunitária vai muito além do balcão! Quanto a projectos específicos mais «fora da caixa» ou «pioneiros», tenho vários para partilhar de que muito me orgulho.
Em 2008, dei um passo pioneiro ao implementar a Consulta Farmacêutica de Acompanhamento de Doentes Crónicos na Farmácia das Areias, quando este conceito ainda era praticamente inexistente em Portugal, muito incentivada pelas aulas do Prof. Fernando Llimos. A abertura de uma farmácia 24 horas em 2010, um conceito desconhecido em Portugal até então, foi um marco importante, assegurando acesso contínuo aos cuidados de saúde à população. O Projecto Conversas sobre Saúde, em 2022, uma parceria com a Junta de Freguesia, para aumentar a literacia em saúde e empoderar os utentes e cuidadores foi algo disruptivo e que muito tem impactado a população da zona. Lancei também ao longo dos anos vários serviços diferenciados e de alto impacto na população nas farmácias onde exerci e exerço a melhor profissão do mundo: a título de exemplo posso referir a Consulta de Apoio ao Aleitamento Materno em 2016 ou a Consulta Farmacêutica de Apoio ao Doente Oncológico em 2023. O meu compromisso ativo e presença regular no Plano Local de Saúde Almada-Seixal onde pude contribuir activamente para mudanças nas políticas locais de saúde e a participação activa e regular enquanto membro e oradora nos eventos na Sociedade Portuguesa de Farmacêuticos nos Cuidados de Saúde onde partilho os projectos inovadores com outros colegas e adquiro ferramentas e novos conhecimentos para continuar a crescer enquanto profissional, são igualmente projectos de que me orgulho muito.
Recentemente, em a publicação de um estudo pensado por mim e realizado em Farmácia Comunitária, na Life2024 volume14, uma revista científica internacional, em 2024 foi uma conquista e tanto!
Mas do que mais me orgulho é da decisão de dedicar mais de uma década de vida à formação de jovens farmacêuticos, quer nos estágios do MICF quer ao longo do seu desenvolvimento profissional em particular nos primeiros anos de carreira onde um mentor faz toda a diferença. Mais de uma dezena de Especialistas em Farmácia Comunitária realizaram a sua candidatura à especialidade com o meu apoio e incentivo directo.
Todos estes projectos e decisões refletem uma visão clara: inovar, formar e aproximar a farmácia comunitária das reais necessidades das pessoas.
- Se pudesse desenvolver um medicamento revolucionário, para que seria?
Criaria um xarope de “paciência com um toque de inovação” para me ajudar a lidar com a falta de visão para o SNS e para o potencial do Farmacêutico para acrescentar valor, reduzir custos e apoiar o doente na sua jornada de saúde. Em vários países os Serviços Farmacêuticos têm um nível de diferenciação mais elevado e o SNS não pode dar-se ao luxo de ignorar o elevado potencial humano dos Farmacêuticos Comunitários.
- Qual a sua dose diária de inspiração para enfrentar desafios?
O que me move são as pessoas. A certeza de que, a cada dia, posso fazer a diferença na vida e na jornada de saúde de cada utente, de cada cuidador e de cada profissional de saúde através da partilha de conhecimentos. Esse impacto direto e humano é a minha maior fonte de inspiração.
- Se pudesse trabalhar ao lado de qualquer cientista/personalidade da História, quem seria e o que desenvolveriam juntos?
Gostaria de trabalhar com Marie Curie. Sinto que partilhamos algo em comum: ambas somos movidas por uma visão inovadora, à frente do nosso tempo, e nem sempre devidamente reconhecidas à primeira vista. Juntas, desenvolveríamos projetos que não só trouxessem avanços científicos, mas que também reforçassem o papel essencial das mulheres na transformação da saúde.
- Qual é o maior placebo na área da farmácia que todos precisam parar de acreditar?
O maior placebo é a ideia de que o farmacêutico comunitário é apenas um “vendedor de medicamentos”. A farmácia comunitária é muito mais do que um balcão onde se transacionam caixas de medicamentos: é um espaço de cuidado, confiança e proximidade com os utentes. Somos profissionais de saúde altamente qualificados, que conhece bem os problemas de saúde da população que serve, com um papel ativo na prevenção, no acompanhamento e na gestão de doenças crónicas. Cada conversa, cada conselho e cada intervenção que fazemos tem um impacto direto na qualidade de vida das pessoas. Está na hora de desfazer este mito e reconhecer que o farmacêutico é uma peça fundamental e insubstituível no sistema de saúde.
Um programa ‘SNS24 nas farmácias’, onde além das perguntas certas se pode observar o doente, avaliar parâmetros bioquímicos básicos e analisar o estado geral da pessoa, assegurar primeiros socorros e tratamento para os problemas de saúde e sintomas resolúveis com MNSRM, faria uma diferença incrível na gestão das urgências das ULS, oferecendo uma solução eficaz para as falsas urgências e encaminhando as verdadeiras urgências para o local mais adequado.
A quantidade de doentes crónicos mal controlados que vemos nas farmácias é assustadora! Isto tem enormes custos financeiros e de saúde, em grande parte evitáveis se a implementação da Consulta Farmacêutica de Acompanhamento de Doentes Crónicos fosse uma realidade transversal nas Farmácias Comunitárias, idealmente comparticipada pelo SNS e seguradoras. Vários estudos comprovam que o acompanhamento de doentes crónicos pelo Farmacêutico, facilita o alcançar de objectivos terapêuticos, permite ganhar anos de vida aos doentes, assim como qualidade de vida e reduz os gastos em saúde.
- O que mais a cura nos dias difíceis?
Uma conversa com um(a) bom(a) amigo(a). Um agradecimento sincero de um utente, ver um elemento da minha equipa a crescer e ser bem-sucedido, um abraço dos meus filhos e, claro, um bom gelado!
- Qual a “interação medicamentosa” perfeita entre farmacêuticos e outras áreas da saúde?
A interação perfeita acontece entre o farmacêutico comunitário e o médico de família. Quando há uma comunicação aberta, regular e baseada na confiança entre estes dois profissionais, o verdadeiro beneficiado é o utente. O médico diagnostica, define o tratamento e acompanha a evolução clínica, enquanto o farmacêutico assegura a correta adesão à terapêutica, identifica possíveis interações e reforça a educação para a saúde, partilhando a missão de acompanhar a evolução clínica e alertando o médico para possíveis desvios aos objectivos terapêuticos ou possíveis reacções adversas que é preciso avaliar. Juntos, criamos uma rede de cuidados integrada, onde cada consulta médica e cada interação na farmácia são passos complementares rumo a melhores resultados em saúde. Uma colaboração ativa, onde cada profissional é ouvido, respeitado e valorizado, sempre com o utente no centro das decisões.
- Se pudesse prescrever uma receita para a profissão farmacêutica, o que incluiria?
Prescreveria uma combinação de coragem, para enfrentar os desafios e abraçar a mudança; resiliência, para superar as adversidades e manter o foco nos objetivos a longo prazo; e adaptabilidade e inovação, para evoluir e acompanhar as novas exigências e avanços da área da saúde. Além disso, incluiria uma boa dose de dedicação ao desenvolvimento contínuo com a elaboração de um Plano de Carreira para os Farmacêuticos Comunitários e um Programa de Acesso à Especialidade, de forma a garantir profissionais altamente qualificados e preparados para os novos desafios da profissão. Por fim, uma elevada dose de boa comunicação entre pares!
- Qual é o maior desafio de ‘manipular’ os problemas da profissão?
O maior desafio, muitas vezes, está dentro da própria classe farmacêutica: na dificuldade de nos unirmos verdadeiramente em torno de uma visão comum e na resistência a sair do conforto das práticas estabelecidas. Soma-se a isso a visão limitada que muitos decisores políticos têm sobre o verdadeiro potencial da profissão farmacêutica, o que frequentemente impede avanços significativos. Além disso, enfrentamos um desafio geracional: muitos jovens entram no mercado de trabalho sem compreender plenamente que ser farmacêutico comunitário vai muito além do conhecimento técnico — é um compromisso genuíno com o serviço à comunidade e com a missão de cuidar de pessoas, é uma vocação.
- Qual é a ‘posologia’ para ser um bom líder no órgão a que concorre?
Um bom líder deve ter uma dose equilibrada de escuta ativa, permitindo entender as necessidades e as ideias dos outros; de pensamento inovador, desafiando sempre o status quo e procurando soluções criativas; de compromisso com a partilha de conhecimento, ajudando a fortalecer a classe e garantir a sua evolução. Além disso, deve ter um papel ativo em unir a classe, defendendo e assegurando o reconhecimento dos farmacêuticos comunitários especialistas. Estes profissionais são altamente qualificados, com um investimento contínuo em formação e desenvolvimento, e que têm provas dadas da sua competência — caso contrário, não teriam alcançado o título de especialista. O reconhecimento e valorização dessa qualificação são fundamentais para o futuro da profissão.
Quero mais Especialistas no Colégio, mas acima de tudo quero Excelentes Especialistas! O título de Especialista deve ser usado com orgulho, como prova de elevada capacidade e conhecimento. Um reconhecimento atribuído pelo Bastonário da OF apenas aos mais capazes. Daí o novo modelo de carteira profissional ter o título de especialista em destaque!
- Se pudesse eliminar uma única “reação adversa” da profissão, qual seria?
Eliminar a falta de cooperação e verdadeira união entre as diferentes especialidades da Ordem dos Farmacêuticos, associada a alguma discriminação dos farmacêuticos comunitários que infelizmente ainda persiste. Muitos farmacêuticos comunitários continuam a ser vistos como profissionais de “segunda classe” pelos colegas de outras áreas profissionais, o que é extremamente injusto e desrespeitoso. Essa visão preconceituosa ignora a complexidade e a importância do trabalho diário dos farmacêuticos comunitários, que são a linha de frente no cuidado à saúde da população. Acredito que todos os farmacêuticos, independentemente da sua área de atuação, devem ser reconhecidos e valorizados pelo seu conhecimento, dedicação e impacto na saúde das pessoas.
- Qual é a sua visão para a Farmácia daqui a 10 anos?
A minha visão para a farmácia nos próximos 10 anos é que sejamos um pilar sólido e inovador no sistema de saúde. Espero ver o alargamento de serviços diferenciadores, como a Consulta Farmacêutica em Oncologia, que já está a fazer a diferença no acompanhamento e suporte a pacientes oncológicos ou a Consulta Farmacêutica na Geriatria, pois o envelhecimento da população será um dos maiores desafios do SNS na próxima década e a fragilidade no idoso pode ser revertida através de uma intervenção farmacêutica estruturada, permitindo ganhar qualidade de vida. Além disso, acredito que a farmácia desempenhará um papel central na criação de Planos Individuais de Cuidados nas ERPI (Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas), garantindo um acompanhamento terapêutico personalizado e altamente eficaz que melhorará de forma inequívoca a qualidade de vida dos idosos. Também espero que serviços como os testes rápidos de diagnóstico, como o teste rápido de StreptoA, se tornem mais comuns nas farmácias comunitárias, permitindo triar amigdalites estreptocócicas que necessitam de assistência médica, e tratar as amigdalites virais com MNSRM, reduzindo a pressão sobre as urgências do SNS. A farmácia, assim, será vista como um centro de cuidados de saúde acessível e altamente especializado, com um impacto direto na saúde da comunidade, onde cada farmacêutico será reconhecido como o profissional de confiança que realmente é.