Redes sociais: uma questão de ética 1428

Sinto, por vezes, que na sociedade portuguesa se pensa nos economistas como criaturas estranhas que têm a obsessão de colocar um preço em tudo. Contudo, esta definição peca, senão por excessiva abreviação, por omitir um aspeto fundamental – é que os economistas trabalham também, por definição, a ética. Esta afirmação advém de uma caraterística da Economia enquanto área do conhecimento – em essência, o estudo da forma e da necessidade de fazer escolhas, bem como de pesar o valor das escolhas feitas.

Gostaria, por isso, de endereçar uma questão que carece urgentemente de debate: a ética no uso das redes sociais (declaração de interesses: tenho presença ativa em algumas delas). Muito se ouve sobre diferentes situações que comprometem, entre outras, a privacidade dos dados dos cidadãos e a utilização destas ferramentas para manipulação de massas; mas teremos realmente começado uma discussão séria, estruturada e profunda?

Acredito verdadeiramente que as redes sociais podem ter um papel importante no que concerne a promover uma sociedade de conhecimento interligada, facilitando o trabalho e a comunicação à distância como nunca antes. Mas a História diz-nos que toda a evolução científica pode ser utilizada com benefícios ou prejuízos e que devemos procurar explorar os primeiros e limitar os últimos.

Um ponto que merece preocupação é o dos seus efeitos na saúde mental. Só agora se começa a identificar algumas tendências, sendo os resultados globalmente inconclusivos. Recorrendo à BBC Future, é possível verificar que, ainda que na maioria dos casos prevaleça a tradicional dicotomia genética e ambiente – isto é, cada um reage de acordo com as suas características individuais –, bem como a necessidade de moderação na utilização para limitar potenciais danos, as redes sociais parecem surtir um efeito negativo na autoestima, nas relações humanas e aumentar o sentimento de solidão. Num país que registou 999.032 utentes com perturbação depressiva no final de 2017 e no qual se estima que 20-25% da população possa ter um episódio de doença mental ao longo da vida, as redes sociais não podem deixar de ser utilizadas como um potenciador do tratamento destas questões, assim como um risco a minimizar, seja através uma utilização mais responsável, seja via uma maior literacia da população.

Contudo, devo confessar-me (ainda) mais preocupado com a nossa sociedade. As redes sociais revolucionaram o nosso modo de interagir com o outro, dando um novo significado às afirmações de Sartre. Seria suficientemente impressionante afirmar que movimentos como a Primavera Árabe tiveram nestas redes veículos transmissores; mas o crescente fenómeno de geração de ‘claques’ em todo o globo, não sendo Portugal exceção, faz antecipar o seu lado lunar. A perda do filtro da escrita crítica, que obriga à introspeção, à verificação das fontes e à mensuração do que se diz, em favor de tags, partilhas de cabeçalhos enganadores e outros semelhantes é polarizadora de discussões e molda a nossa perceção individual e coletiva do mundo em que vivemos da mesma forma. Nesse sentido, constitui uma verdadeira ameaça ao espírito crítico e à racionalidade, que se prezam e tomam precedência numa sociedade democrática.

É, portanto, fundamental regular de forma eficaz estes instrumentos, quer pelas razões acima elencadas, quer por estas constituírem em bom rigor riscos, na medida em que teremos de lidar coletivamente e em ambiente de grande incerteza com fatores totalmente novos que se podem traduzir em prejuízos humanos significativos, não tendo experiência ou conhecimento prévios e suficientes.

Regular será tão mais difícil quanto mais for adiado, devido à dinâmica destas redes, bem como ao extremar de posições resultante da deterioração de competências sociais e de autocontrolo emocional, sobretudo nas faixas mais jovens da população, dado o seu estágio de desenvolvimento. Devemos trabalhar com e para as pessoas no sentido de desenvolver estratégias de regulação que possam otimizar a utilização deste admirável mundo novo.

Referências:
1. http://www.bbc.com/future/story/20180104-is-social-media-bad-for-you-the-evidence-and-the-unknowns
2. “O Peso da Depressão” Jornal i, consultado a 6/6/2018. Disponível em https://ionline.sapo.pt/especiais/o-peso-da-depressao/

Diogo Nogueira Leite,

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)