A qualidade dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) é um fator chave para um Sistema de Saúde eficaz e eficiente. Existe uma forte evidência científica da contribuição e do impacto dos CSP na saúde da população. Os países com um forte sistema de CSP tendem a ter uma população com melhor saúde, para além de uma distribuição mais equitativa da saúde na população, a custos mais baixos (1). Em Portugal, a Reforma dos CSP teve início no ano 2005, tendo como objetivos principais melhorar a acessibilidade, a qualidade, a continuidade e a eficiência dos CSP. O marco mais relevante desta reforma foi provavelmente a criação das Unidades de Saúde Familiar (USF), em 2006. A reforma dos CSP é por muitos considerada como uma das mais bem-sucedidas reformas dos serviços públicos das últimas décadas, sendo que em novembro de 2015 as 450 USF existentes cobriam mais de metade da população (5.194.634 utentes) (2). E o acesso? Dados do EU-SILC mostram que 19% dos inquiridos afirmavam ter dificuldades em aceder aos CSP em 2007 (i.e. antes da Reforma), em comparação com os 15% em 2012 (i.e. durante a Reforma). Mais evidente foi a diminuição da percentagem de pessoas que afirmava não utilizar os CSP: 33% em 2007 vs 11% em 2012 (3). Embora não seja possível distinguir a razão da não utilização, ou seja, se é devida à falta de atribuição de médico de família ou se é por opção, no relatório de 2014 do Tribunal de Contas lê-se: «após 2006, o número de utentes inscritos sem médico de família cresceu 24%, com exceção do ano de 2012» (4). Uma análise mais pormenorizada da utilização dos CSP e do número de utentes sem médico de família poderia ajudar a compreender melhor estes resultados. O impulso inicial da Reforma dos CSP tem vindo a sofrer um desaceleramento desde 2011, provocado essencialmente pelo desaceleramento de novas USF. A aprovação de candidaturas para a abertura de novas USF tem vindo a diminuir, bem como a aprovação da passagem das USF existentes (modelo A) para modelo B. Fala-se da necessidade de dar um “novo impulso à Reforma”. Quais serão então os próximos passos? No documento de 24 de fevereiro de 2016, elaborado pela Coordenação Nacional para os Cuidados de Saúde Primários intitulado “Relançamento da Reforma Cuidados Saúde Primários”, é proposta uma abordagem “top-down” para a criação de USF, entre muitas outras medidas (4). O coordenador nacional da Coordenação Nacional para os CSP afirma que toda a atividade na área dos CSP deverá ser feita em contexto de USF no mais curto espaço de tempo possível, implicando que todos os profissionais passem a receber por objetivos. Adicionalmente, afirma que a falta de médicos de família deverá ser resolvida essencialmente pela fixação dos jovens acabados de sair do internato (6), para dar resposta aos 918.309 utentes atualmente ainda sem médico de família (7). Apesar de alguns estudos realizados apontarem para uma maior eficiência das USF, sugere-se também que o próprio mecanismo de constituição das USF (voluntário e auto-organizado) pode ter favorecido os profissionais de saúde que já se distinguiam dos restantes, em termos de produtividade, antes da Reforma (8). A abordagem “bottom-up”, i.e. a vontade dos profissionais e a sua aposta na mudança é apontada como um dos três determinantes fundamentais do início da reforma, juntamente com a existência de um grupo de liderança profissional (Missão para os Cuidados de Saúde Primários) e o apoio por parte do Ministério da Saúde. Será que uma abordagem “top-down” irá comprometer a vontade dos profissionais? Contudo, uma nova aposta nos CSP é necessária. As diferenças de acessibilidade e as diferenças da capacidade instalada comprometem o princípio da equidade no acesso e na prestação de cuidados no Serviço Nacional de Saúde, um dos eixos fundamentais dos CSP. Referências Klára Dimitrovová, (A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.) |