Mais de metade das pessoas que escolhem não contactar o sistema de saúde automedicam-se 868

Mais de metade das pessoas que escolhem não contactar o sistema de saúde quando se sentem doentes escolhem automedicar-se.

A informação foi avançada na apresentação do relatório “Acesso a cuidados de saúde – As escolhas dos cidadãos 2020”, elaborado pelo professor Pedro Pita Barros, da Faculdade de Economia na Universidade Nova de Lisboa, em colaboração com a Fundação “la Caixa” e o BPI.

Um em cada 10 inquiridos, quando se sentem doentes, optam por não contactar o sistema de saúde e, destes, 63% escolheram automedicar-se, são uma das principais conclusões deste estudo.

“Podia ser pior, se a automedicação fosse baseada no recurso à internet, mas é bom sabermos melhor o que é que se passa com essa automedicação e o que é que são as farmácias domésticas que as pessoas estão a usar”, explicou Pita Barros, durante a apresentação.

Ainda sobre este tema, Pedro Pita Barros sublinhou que esta é uma área “em que é preciso investir um pouco mais”.

O estudo mostra ainda que três em cada quatro pessoas sente que foi tratada com dignidade, compaixão e respeito no sistema de saúde, num valor global de 76,6%. Contudo há diferenças associadas ao nível de escolaridade, com 80% para as pessoas com ensino básico e 72% para quem tem o ensino superior.

“Em Portugal, o elemento mais forte nesta perceção acaba por ser o nível de escolaridade alcançada. As pessoas com mais escolaridade ou têm mais expectativas ou tendem a sentir capacidade de pelo menos de vocalizar mais do seu desagrado e acabam por terem uma apreciação menos boa nesta pergunta do que as pessoas com menor nível de escolaridade”, explicou Pita Barros.

Referenciado neste trabalho, está também a “não fuga” do SNS para o sector privado, “mas sim uma reconfiguração dentro de cada sector nos últimos anos. Na decisão de primeiro contacto com o sistema de saúde, o SNS é a escolha maioritária em todos os grupos socioeconómicos. A opção pelo privado está concentrada nas classes socioeconómicas mais elevadas. Em 2020, a fuga foi das urgências hospitalares, públicas e privadas, para outro ponto de contacto dentro do mesmo sector. A proporção de pessoas que referiu a urgência hospitalar como primeiro ponto de contacto com o sistema de saúde caiu de 41,1% em 2019 para 32,2% em 2020 no sector público, e de 5% para 2,1% no sector privado”, indica o documento.

Outro ponto referenciado neste relatório, teve a ver com os custos com medicamentos, que são a principal dificuldade financeira no acesso aos cuidados de saúde. O estudo mostra que na classe socioeconómica mais baixa aumentou para 15% em três anos a percentagem das pessoas que deixaram de comprar fármacos de que precisavam.

A situação melhorou, e entre 2017 e 2020 passou, em média, de 10,7% para 5,4% a proporção de pessoas que deixou de comprar medicamentos de que necessitava, pelo menos uma vez no ano, mas a percentagem aumentou de 11% para 15% na classe socioeconómica mais baixa.

O mesmo aconteceu quando se perguntou quem deixou de ir a uma consulta médica ou de fazer um exame por falta de dinheiro, com um aumento de 7% (2017) para 10% (2019) na classe socioeconómica mais baixa.

O estudo mostrou ainda, que em 2020, “há duas novas barreiras de acesso identificadas: o receio de ir ao sistema de saúde por causa da covid-19, referida por 15% das pessoas, e o cancelamento de um agendamento por iniciativa do prestador, referido por 20% dos entrevistados. Os mais idosos e as classes socioeconómicas mais baixas indicaram maior receio. Os cancelamentos por iniciativa do prestador afetaram igualmente todas as classes socioeconómicas. Os mais idosos, tendo mais consultas marcadas, foram também mais afetados. Apesar do receio que se gerou, continua a existir confiança nos serviços de saúde, sendo que os que mais se isolaram durante a pandemia não têm mais receio de ir ao sistema de saúde”.

Os dados do Relatório “Acesso aos cuidados de saúde – As escolhas dos cidadãos 2020” foram recolhidos pela empresa GfK, entre os dias 23 de maio e 30 de junho de 2020, através de inquérito elaborado pela equipa de investigação do Nova SBE Health Economics and Management Knowledge Centre, com uma amostra representativa de 1.271 entrevistas.