O STADA Health Report 2024 foi apresentado a 3 de outubro, em Oeiras, dando a conhecer ao público dados sobre o sistema de saúde. Participaram entre fevereiro e março, deste ano, 46 mil indivíduos, de 23 países, sem ligação a cargos dedicados ao setor da saúde, num método online, onde responderam a variadas questões sobre a satisfação pelos serviços prestados no sistema da saúde.
Em Portugal, este ano, os temas avaliados, por duas mil pessoas, foram a satisfação com o sistema de saúde; a saúde mental; e a utilização de inteligência artificial (IA) na saúde. Das duas mil pessoas que integraram a amostra, 53% era do género feminino e 42% tinha mais de 55 anos, enquanto 35% tinha entre 35 e 54 anos e 23% entre 18 e 34.
Alguns dados
- Apenas 49% dos inquiridos em Portugal estão satisfeitos com o SNS e o grau de satisfação caiu pelo terceiro ano consecutivo, depois de em 2022 ter atingido os 64% e em 2023 os 53%. A insatisfação deve-se principalmente à qualidade dos cuidados (55% disse ter recebido ou conhecer alguém que recebeu cuidados inadequados), à dificuldade de atendimento (46% indicou ter dificuldade em conseguir uma consulta) e à desconfiança sobre o sistema público de saúde (43% declarou não confiar nos decisores políticos na área).
- Quanto aos fatores de melhoria, 65% refere o aumento dos salários dos profissionais de saúde e 44% pedem que os decisores políticos ao nível dos cuidados de saúde tenham experiência na área.
- Em termos de agrado com os serviços públicos de saúde, Portugal (49%) ocupa a 14.ª posição, abaixo da média europeia (56%). Fica atrás do Reino Unido (56%) e à frente de Itália (48%), numa lista liderada pela Bélgica (85% dos inquiridos satisfeitos) e que termina com a Hungria (26%).
- 43% dos questionados disseram confiar “que o médico e o farmacêutico sabem o que é melhor para si”, 42% indicaram ter beneficiado “dos efeitos da medicina tradicional” e 26% referiram confiar “na investigação de décadas e na metodologia rigorosa” que é aplicada.
- 55% dos sondados refere que “uma comunicação mais simples e empática” durante as consultas faria aumentar a confiança, enquanto 49% gostariam que fosse dada mais atenção aos cuidados prestados e às suas necessidades e 46% defendem uma abordagem menos parcial e que tenha em consideração a saúde física e mental.
- Quanto às farmácias, 49% “gostariam que as opções de tratamento e medicação fossem mais baratas”, 44% de ter acesso a mais serviços de saúde (por exemplo testes de audição e visão) e 38% de também poderem ser atendidos “online”.
“Ninguém sabe quantos médicos há em Portugal”
Carlos Cortes, bastonário da Ordem dos Médicos (OM), mostrou-se “preocupado” com a ausência de dados concretos sobre o estado da saúde em Portugal. Segundo o responsável da OM, que participou na conferência, que se seguiu á apresentação dos dados, ‘Que sistema de saúde queremos para Portugal?’, a falta de informações impede o reconhecimento adequado do trabalho realizado pelos diversos prestadores de serviços de saúde. A informação que existe é dos “destaques que são dados pela comunicação social, mas de facto, concretamente, não temos dados”.
Carlos Cortes especificou, neste sentido, a falta de dados precisos sobre o número de médicos em atividade no país, afirmando que “ninguém sabe quantos médicos há em Portugal”. Segundo o bastonário, a situação é agravada pelo facto de alguns profissionais se reformarem sem informar a Ordem, o que impede uma contabilização correta da inatividade no setor.
Relativamente aos dados apresentados, o responsável da OM afirma ser “mais pessimista, mas não sou fatalista”. O bastonário entende a insatisfação dos portugueses perante o SNS, mas acredita que é “possível dar volta à situação dos serviços da saúde”.
SNS “cada vez é menos universal”
Helder Mota Filipe, bastonário da Ordem dos Farmacêuticos (OF), no relativo aos dados apresentados, sobre o nível de satisfação dos inquiridos sobre o SNS, declara que “aquilo que nós podemos ver em termos gerais não é positivo”.
Neste contexto, o bastonário antevê tempos conturbados, observando um SNS que “cada vez é menos universal, cada vez é menos geral e cada vez é menos gratuito e, portanto, não está a cumprir a missão”.
Analisando a problemática da ótica da vertente farmacêutica, o responsável da OF destacou que os cidadãos europeus consideram que uma das qualidades de um sistema de saúde é “a garantia do acesso aos medicamentos” e que “os farmacêuticos devem aumentar o seu papel na prestação de serviços para libertar os médicos para outras funções”. Ou seja, Helder Mota Filipe salientou o task shifting (redistribuição de tarefas), em que também “os farmacêuticos vão ter
de deixar de fazer coisas que faziam, que era tradicional fazerem, para poderem abraçar outras”.
O bastonário salientou ainda que atualmente existem medicamentos que não se sonhava ter há 20 anos. “Nós temos novos medicamentos, com novos mecanismos de ação, o que, do ponto de vista farmacêutico, é interessantíssimo”. O problema é que “são muito caros”, sendo que para que consigamos ter um sistema de saúde sustentável, “precisamos de ser criteriosos na utilização dos medicamentos. E aqui entram os medicamentos biossimilares e os medicamentos genéricos”.
“Há um caminho a fazer”
O presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, que foi outro dos intervenientes da conferência, refere que, no relativo à utilização de biossimilares, esta “tem vindo a melhorar nos últimos meses, nos últimos anos, mas há um caminho a fazer”.
Quanto às listas de espera para consultas e cirurgias, estas aumentaram, contudo, “a percentagem de doentes em espera para além do que é clinicamente adequado é relativamente estável nos últimos anos”, dá conta o presidente da APAH.
Xavier Barreto recuou no tempo e relembrou que há 10 anos não havia o problema que se vive no momento, que é o do encerramento dos serviços de urgência “por falta de recursos humanos”. O presidente da APAH referiu que este não é, no entanto, um problema exclusivo de Portugal, na medida em que há outros países na mesma situação, nomeadamente a Holanda que, segundo o presidente da APAH, está a transferir tarefas mais genéricas, menos diferenciadas e que não requerem a intervenção de um médico para serem acompanhadas por enfermeiros ou por técnicos de saúde.