De acordo com o relatório “Portugal: Perfil de saúde do país 2021”, elaborado pela OCDE e pelo European Observatory on Health Systems and Policies, 41% dos portugueses com idade igual ou superior a 16 anos comunicaram sofrer de pelo menos uma doença crónica em 2019 — uma percentagem superior à da União Europeia (36%). Consequentemente, é expectável que estes portugueses necessitem de, pelo menos, um medicamento para gerir o seu estado de saúde. E, por se tratarem de doenças crónicas, não basta que estes medicamentos sejam tomados num período de tempo restrito, tal como acontece com a terapêutica de situações agudas, mas sim num longo período temporal. Desta forma, a acessibilidade e a continuidade da terapêutica instituída, que culminam no conceito de adesão à terapêutica, são determinantes importantíssimos nos resultados de saúde destes doentes.
A adesão à terapêutica começa quando os doentes têm acesso aos medicamentos descritos na prescrição. É claro que muitos outros fatores influenciam esta adesão, mas a acessibilidade é uma das primeiras condicionantes que os utentes encontram no processo de iniciar a medicação prescrita. Sendo esses medicamentos, na sua grande maioria, sujeitos a receita médica, é necessário que estes doentes tenham acesso a uma consulta com o seu médico, geralmente, o de família, para que tenham acesso a uma prescrição que liste as tecnologias de saúde capazes de melhorar a sua qualidade de vida. Lamentavelmente, o total de portugueses sem médico de família já ultrapassa o milhão. Por isso, para além de serem manifestamente precisas políticas com capacidade de minimizar este número, poderá ser também interessante tirar partido de outros parceiros em saúde, tal como as farmácias e os seus farmacêuticos, na resposta a esta problemática.
Os farmacêuticos, através das cerca de 3.000 farmácias em território nacional, com acesso aos dados clínicos e laboratoriais dos doentes, respeitando a legislação adequada e com uma boa articulação médico-farmacêutico, poderiam participar neste processo de renovação da terapêutica crónica que limita a continuidade da toma da medicação. Com esta medida, para além da clara vantagem inerente à proximidade das farmácias à população, poderíamos observar ainda um alívio da pressão nos cuidados de saúde primários, promovendo a tão falada e indispensável sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde.
Assim sendo, será que os próprios doentes reconhecem a necessidade de renovarem as suas prescrições de terapêutica crónica de forma mais ágil? O Grupo de Trabalho com as associações de doentes que integram a Convenção Nacional da Saúde responde afirmativamente. Várias associações de doentes subscreveram a proposta de criação formal de um serviço nacional de renovação da terapêutica, fruto da experiência positiva temporária, durante a pandemia, que foi promovida pela Portaria n.º 90-A/2020, de 09 de abril de 2020. Os representantes reconhecem que esta medida é propulsora de benefícios significativos para a saúde e qualidade de vida dos cidadãos, em especial dos doentes crónicos.
E que barreiras existirão no processo de implementação deste serviço nas farmácias? Poderia pensar-se, à partida, em limitações tecnológicas. Ainda assim, com o desenvolvimento das tecnologias e da telessaúde, que cresceram exponencialmente no período da pandemia, será difícil convencer os doentes, que tanto proveito tirariam desta iniciativa, de que o problema se centraria na “partilha dos dados” ou na “interoperabilidade dos sistemas” em plena era digital. Posto isto, e acreditando que as limitações se concentram sobretudo em questões de índole política, resta-nos continuar a gerar cada vez mais evidência das vantagens deste serviço tanto para a população, como para o sistema, enquanto, paralelamente, advogamos pela sua adoção. Entretanto, a proposta para o Orçamento de Estado 2023 demonstra, precisamente, uma valorização governamental do estabelecimento desta medida. Importa, agora, assegurar que a mesma será robustecida do devido financiamento e que a sua regulamentação seja ajustada às expectativas criadas em torno da sua potencialidade em prol da população.
Diogo Almeida, Vice-Presidente da APEF