Renovação, participação e visão: as Eleições para a Ordem dos Farmacêuticos 573

As Ordens Profissionais são estruturas associativas de direito público com autonomia e independência. Foram criadas para garantir a autorregulação profissional, especialmente para profissões cientificamente e tecnicamente exigentes, onde haja uma maior necessidade de proteção dos destinatários dos seus serviços e a defesa de um interesse público de especial relevo que o Estado não pode assegurar por si só. Além disso, devem promover a desburocratização e descentralização administrativa, aproximando o Estado dos cidadãos e incentivando a participação na vida cívica e na tomada de decisões que afetam a vida profissional.

Nesta perspetiva, as eleições para a Ordem dos Farmacêuticos ganham nova importância. É o momento em que escolhemos entre os nossos pares aqueles que nos representarão e guiarão os desígnios da profissão. Este é o maior ato de expressão democrática na vida de uma instituição. Além disso, os atos eleitorais, independentemente do contexto e das listas candidatas, são sempre oportunidades para as estruturas de base associativa e a profissão avaliarem o passado e refletirem sobre o futuro.

 

A profissão farmacêutica como elo essencial do sistema de saúde, da economia e da sociedade

O sistema de saúde, a economia e a sociedade portuguesa enfrentam desafios complexos. Os farmacêuticos, nas diferentes áreas, podem contribuir positivamente como parte da solução. É preciso que a Ordem dos Farmacêuticos seja proativa na prossecução de determinados objetivos estratégicos para as diferentes áreas, como por exemplo:

  • Na Farmácia Comunitária, garantir as condições para a diferenciação das farmácias comunitárias como estabelecimentos de saúde de ação e intervenção complementar ao nível dos cuidados de saúde primários. Rever o modelo de renovação da terapêutica para potenciar a intervenção farmacêutica na gestão das doenças crónicas. Negociar com o Governo a regulamentação da intervenção dos farmacêuticos nas situações clínicas ligeiras e um modelo que assegure a sustentabilidade dos serviços farmacêuticos prestados nas farmácias em função da sua custo-efetividade e valor gerado para o cidadão. Será necessário priorizar a revisão dos MNSRM e MNSRM-EF e a plena implementação da dispensa de proximidade. Num cenário de diversificação do modelo de cuidados, como a hospitalização domiciliária e a telemonitorização, é urgente refletir sobre o papel do farmacêutico e da farmácia como estrutura de saúde de proximidade. Por último, é imperioso agir sobre a atratividade da profissão de farmacêutico comunitário em todas as suas dimensões, incluindo remuneração e condições de trabalho.
  • Em Farmácia Hospitalar, existem três grandes áreas prioritárias: consolidação da Residência e Carreira Farmacêutica, reforço dos recursos e infraestruturas dos serviços farmacêuticos hospitalares e adaptação à organização das unidades locais de saúde e generalização da consulta farmacêutica. A última destas áreas, que decorre do regime de dispensa de proximidade, exige que esta atividade seja financiada às unidades locais de saúde. O que aconteceu em 2024, mas foi revertido em 2025. É necessário criar condições de medição da produção dos serviços farmacêuticos hospitalares como meio para a valorização da farmácia hospitalar. A renovação do regime jurídico de farmácia hospitalar – com proposta em preparação pela Ordem – pode conferir instrumentos legais e regulamentares interessantes.
  • Em outras áreas, é necessário capacitar mais farmacêuticos para funções de I&D e promover a sua intervenção nos centros académicos clínicos e promotores de investigação clínica, aumentar o número de especialistas em indústria farmacêutica para reforçar a capacidade de fabrico e promover a competitividade nacional, renovar a classe de farmacêuticos em análises clínicas, reformular as atividades e áreas nucleares da área de assuntos regulamentares e incluir esta especialidade na carreira farmacêutica.

 

Ensino, Formação e Prática Profissional

A concretização dos desígnios acima identificados requer um quadro claro e estruturado para o ensino, a formação e a prática profissional. A revisão da Diretiva das Qualificações Profissionais oferece uma oportunidade para a reformulação dos planos do mestrado integrado em ciências farmacêuticas. Há muito que falamos sobre a necessidade das instituições de ensino das ciências farmacêuticas oferecerem programas curriculares que privilegiem o ensino clínico baseado na resolução de problemas e que garantam uma oferta formativa complementar ou opcional que promova a diferenciação de percursos profissionais. Além disso, é necessário introduzir as novas disciplinas previstas na Diretiva, como a economia da saúde, avaliação de tecnologias de saúde e tecnologias de informação. As discussões em torno desta matéria têm de ser abertas à profissão e mais transparentes, envolvendo todo o setor farmacêutico, sob pena de a profissão perder competitividade nas suas diversas áreas de atividade.

A Ordem dos Farmacêuticos deve continuar a investir em programas de formação contínua e desenvolvimento profissional, permitindo que os farmacêuticos se mantenham atualizados com as últimas inovações e práticas. É preciso criar sinergias com o setor e harmonizar prioridades a nível interno, para garantir uma oferta formativa adequada ao perfil dos farmacêuticos de cada região.

A especialização e diferenciação profissional são pilares para o avanço da profissão farmacêutica. É urgente assegurar que existem processos claros e acessíveis para a certificação da especialização, seja através das Competências Farmacêuticas ou Especialidades Farmacêuticas. O modelo não é conhecido nem reconhecido por muitos farmacêuticos, que por inerência não veem mais-valia na prossecução da sua especialização. Áreas como Pediatria, Geriatria, Cuidados Continuados, Farmácia Clínica, Farmácia Veterinária, Radiofarmácia, Farmacoepidemiologia, Farmacoeconomia, Engenharia Farmacêutica, Neurofarmacologia e Psicofarmacologia e Saúde Mental são alguns exemplos de áreas nas quais os farmacêuticos se podem diferenciar pelos seus conhecimentos e competências. A existência de um nível de especialização, através do título de especialista ou de competência farmacêutica era selo de qualidade para estes conhecimentos e capacidades.

Por fim, torna-se relevante criar as condições para que estes conhecimentos e competências sejam colocados em prática de forma a maximizar a intervenção do farmacêutico e o benefício para os destinatários dos serviços, as empresas, a economia e a sociedade. Neste contexto, a Ordem tem um importante papel no desenvolvimento de regulamentos e normativos, referenciais e instrumentos técnicos para a profissão. É essencial que os Conselhos do Colégio de Especialidade, como bastiões técnicos e científicos da profissão, em articulação com a Direção Nacional, tenham uma estratégia clara e transparente nesta matéria. Para isso, a nossa Ordem tem de conseguir referenciais estratégicos que deem a conhecer aos farmacêuticos uma visão conjunta e única para a profissão. No fundo, os farmacêuticos têm de sentir a presença e valor da Ordem no seu dia-a-dia e no exercício da sua profissão,  e devem existir agendas claras que mobilizem a classe.

 

Mecanismos de Envolvimento e Participação

Para que as Ordens Profissionais realmente representem os seus membros, é crucial a criação de mecanismos formais e informais de envolvimento e participação. Devem ser generalizados e amplamente difundidos fóruns regulares de discussão onde os profissionais possam partilhar as suas preocupações e sugestões. Neste âmbito, a constituição de grupos de trabalho, na dependência ou não dos Conselhos dos Colégios de Especialidade, para a discussão das políticas da profissão mas também para a elaboração e revisão de regulamentação e normativos técnicos e documentos de apoio são um bom instrumento. Mas deve haver mais transparência na constituição, organização e funcionamento destas estruturas, com a definição dos seus objetivos e objeto da sua atuação.

 

Profissionalização e modernização de serviços

Vivemos numa era em que a agilidade e a capacidade de resposta são cruciais. As Ordens Profissionais têm de estar equipadas para responder rapidamente às necessidades dos profissionais: criar canais de comunicação eficientes e tecnologicamente avançados que permitam respostas rápidas e eficazes e a adaptação dos serviços às necessidades específicas de cada segmento da profissão, reconhecendo que os farmacêuticos têm diferentes especializações e interesses. E que esperam da sua Ordem coisas diferentes em função disso.

 

Abertura ao Setor Farmacêutico e à Sociedade Civil

A proximidade com a sociedade civil é fundamental. Apenas desta forma as Ordens Profissionais continuarão a fazer jus à sua razão de existir. A colaboração com a Administração Pública, com o sistema científico e tecnológico, com as associações profissionais e sectoriais, com as sociedades científicas e com as associações de pessoas com doença é, neste âmbito, instrumental. Por outro lado, como uma associação pública profissional da área da saúde, a Ordem dos Farmacêuticos tem uma solene responsabilidade em promover, apoiar e estimular iniciativas que promovam a literacia em saúde, em particular ao nível da utilização de medicamentos e tecnologias de saúde e da prevenção de doenças e promoção de hábitos de vida saudáveis. A Campanha Uso Responsável do Medicamento, Valor do Farmacêutico e Geração Saudável são ótimos exemplos do passado que podem inspirar novas iniciativas e uma nova ação da Ordem nesta área que, em última instância, promovem o papel do farmacêutico como profissional de saúde de proximidade.

 

O papel dos jovens no presente e futuro da profissão

Os jovens farmacêuticos são a força motriz de inovação e renovação da profissão. Uma profissão sem jovens é uma profissão morta e sem futuro. Eles trazem uma visão contemporânea e dinâmica, comprometida com a excelência e a modernização dos serviços farmacêuticos. Acreditamos que a Ordem dos Farmacêuticos deve ser não só reguladora, mas também facilitadora do crescimento e desenvolvimento dos seus membros.

 

Conclusão

É imperativo que a Ordem dos Farmacêuticos evolua para acompanhar as mudanças do setor, promovendo a participação ativa dos seus membros, oferecendo serviços adaptados e apoiando a especialização e diferenciação dos farmacêuticos. A visão e o dinamismo dos jovens farmacêuticos são cruciais para esta evolução, garantindo um futuro promissor e inovador para a nossa profissão.

Para os candidatos e candidatas fica o desafio: Vamos juntos construir um futuro onde a profissão farmacêutica continue a ser um pilar de excelência na saúde pública. A Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos e os jovens farmacêuticos estarão disponíveis.

Aos farmacêuticos e farmacêuticas um pedido: mobilizem-se e envolvam-se no dia-a-dia da única organização que representa e pode representar o nosso coletivo. Certamente existe um caminho a percorrer e muitos aspetos a aperfeiçoar na relação entre os farmacêuticos e a Ordem. Mas o primeiro passo começa entre 01 e 08 de fevereiro com o ato eleitoral.

Lucas Chambel

Presidente da Associação Portuguesa de Jovens Farmacêuticos (APJF)