Resiliência em Tempos de Covid-19 2750

O surto de Covid-19 é a primeira pandemia global causada por um coronavírus, levando o mesmo a uma crise com perdas consideráveis não só em termos de saúde, mas também para grande parte da economia global, com altos custos sociais.

Mas será esta pandemia um evento singular, único na vida, ou parte de um conjunto mais amplo de megatendências que estão a moldar o futuro do nosso planeta e da nossa sociedade?

Muitos especialistas defendem, que uma série de crises e de tendências, já vinham afetando a nossa sociedade e o nosso meio ambiente muito antes de o novo coronavírus começar a espalhar-se. No entanto é essencial que entendamos as principais forças que moldam o nosso mundo e como elas interagem.

Se houver algum resultado positivo na pandemia, será o seu poder de servir como um alerta para nos ajudar a focar nessas forças, enquanto ainda temos tempo para evitar os seus efeitos mais prejudiciais. Mas para o progresso real, as soluções herdadas e as formas de pensar precisarão de retroceder, permitindo novos métodos de colaboração dos vários agentes da sociedade. Nesse sentido podemos aprender com esta crise e usá-los para avançar.

Esta pandemia veio mostrar a fragilidade de alguns dos nossos sistemas mais básicos. Ao longo de todo este processo, a escassez de máscaras, testes, ventiladores e outros itens essenciais deixaram os profissionais de saúde da linha da frente e a população em geral perigosamente expostos à própria doença. Num nível mais amplo, testemunhámos o colapso em cascata de sistemas inteiros de produção, financeiros e de transporte, devido a uma combinação cruel de choques de oferta e de procura (OECD Report, 2020).

Quando Bill Gates, em 2015, disse que não estaríamos preparados para a próxima pandemia, sugerindo a criação de uma série de especialistas em várias disciplinas para enfrentar qualquer crise ou epidemia que pudesse surgir, ninguém no poder ouviu a sua mensagem.

Estamos agora no meio de uma convulsão sistémica que apontou que “uma nova crise poderia surgir repentinamente, de muitas fontes diferentes e com efeitos potencialmente prejudiciais”.

O Covid-19 mostra que precisamos de agir agora, porque simplesmente não sabemos como as mudanças num sistema podem evoluir, criar impacto noutros sistemas, ou até como uma mutação num vírus pode prejudicar a economia mundial.

Parece-me importante antecipar, preparar e criar resiliência para crises futuras. Diversos autores têm deixado algumas pistas de soluções concretas desenvolvendo abordagens sistémicas de resiliência tais como, promover o uso de pensamento e antecipação em entender melhor as interações, pontos de inflexão, ciclos de feedback e equilíbrio múltiplo, aos quais sistemas de todos os tipos estão sujeitos.

Outros defendem ser necessário haver a promoção e o uso de novas análises, ferramentas e técnicas metodológicas para simular a dinâmica de crises, usando modelos baseados em

rede e em agentes, para entender melhor como os choques emergem e se propagam, seja uma pandemia, uma crise financeira, redes de produção em colapso, choques ambientais ou desagregação social (Linkov et al. 2019).

Na minha opinião uma mentalidade de resiliência reconhece que a variedade infinita de ameaças futuras, não pode ser prevista e medida adequadamente, nem os seus efeitos podem ser totalmente compreendidos. A adoção dessa abordagem significa repensar as nossas prioridades, principalmente, no papel da otimização e da eficiência.

Pertencendo a quase todas as facetas das nossas vidas pessoal ou profissional, o impacto do Covid-19 é ainda agravado pelo fato de não haver um manual concreto para organizações e líderes seguirem. Aparentemente, grande parte dos empregadores tiveram que direcionar as suas forças no trabalho remoto, já que os governos impuseram bloqueios generalizados.

Esta pandemia representa assim um desafio humanitário significativo em todo o mundo, à medida que os governos e profissionais de saúde trabalham para conter a sua disseminação e ajudar as pessoas afetadas.

Numa altura em que o desconfinamento se torna necessário, há que quebrar padrões antigos e introduzir novos procedimentos. O momento mais fácil para redefinir as normas é quando ninguém sabe o que é normal sendo nesse sentido necessário introduzir formação e treino nas equipas.

Neste momento tão particular, os líderes e os gestores devem ser facilitadores devendo demonstrar sinceridade e compromisso com as novas políticas, não se limitando a instruir os colaboradores sobre os novos comportamentos de segurança, mas sim seguir os movimentos reais para começar a desenvolver memória muscular e as práticas parecerem comuns.

Uma das formas de criar e sustentar mudanças e praticar a resiliência é exercendo responsabilidade na execução de funções. Os profissionais devem entender que não são simplesmente responsáveis por seguir práticas seguras, mas sim garantir que todos ao seu redor também as pratiquem.

Isso por si só, pode não ser suficiente. No caso dos hospitais em particular, para melhorar a segurança do paciente são desenvolvidas normalmente uma série normas. Por vezes é um desafio fazer com que os enfermeiros (as) da linha da frente lembrem os médicos sob pressão a lavar as mãos, a menos que se crie uma norma capacitadora. Os líderes devem ser instruídos de que, quando forem lembrados de uma diretriz de segurança, haverá apenas uma resposta permitida: um “obrigado” imediato seguido de uma conformidade.

Existem vários exemplos na área da saúde para incentivar os cuidadores a emitir “lembretes”. Estudos demonstram que quando pediam aos destinatários dos lembretes que agradecessem e cumprissem, a prática de higiene das mãos melhorou em mais de 60% em questão de semanas. Quando os médicos foram treinados para “mostrar gratidão, não atitude”, lembrá-los, tornou-se uma norma de baixo risco e não uma provação terrível (Grenny, 2020).

Estas práticas podem parecer estranhas para muitos profissionais de saúde, especialmente aqueles que não fizeram parte de esforços conjuntos de segurança no local de trabalho antes da pandemia. Mas esses são tempos incomuns e se queremos manter todos os profissionais seguros, os colaboradores precisam de fazer atividades fora das suas zonas de conforto.

Se os líderes levarem essas práticas a sério, poderão introduzir novas normas mais rapidamente. Fazer isso, não é importante apenas para a segurança dos colaboradores, mas também para a saúde de seus negócios. Existir resiliência a esses comportamentos críticos permitirá que as organizações se mantenham mais seguras no tempo de mudança que estamos a viver.

Grenny, J. (2020), Five Tips for Safely Reopening Your Office, Harvard Business Review, May.
Linkov, I and Benjamin D. Trump, (2019), The Science and Practice of Resilience, Springer.
OECD Policy responses to Coronavirus, A systemic resilience approach to dealing with Covid-19 and future shocks, April 2020, pp.1-18.

Filipa Breia Fonseca
Investigadora e Professora Convidada, Nova School of Business and Economics, Nova SBE