Resistência aos antimicrobianos e política de saúde 755

Desde a década de 1940, os antibióticos e outros antimicrobianos desempenharam um papel preponderante no tratamento de doentes com doenças infecciosas, contribuindo para um aumento substancial na esperança média de vida.

No entanto, o uso prolongado e generalizado e a utilização inadequada destes medicamentos encontra-se associada ao aumento de doenças resistentes aos antibióticos.

As infecções por microorganismos resistentes são difíceis de tratar, levando a um aumento de custos na prestação de cuidados de saúde bem como a um elevado risco em termos de saúde pública.

O uso generalizado de medicamentos prende-se com o sistema de incentivos existentes no ciclo de Investigação e Desenvolvimento (I&D) farmacêutico. A viabilidade financeira da I&D no setor farmacêutico, ao requerer uma sustentada difusão no uso dos medicamentos, cria incentivos para o desenvolvimento de medicamentos que tratem múltiplas doenças, uma vez que assim se abrange um maior número de população que estimula a difusão pretendida do medicamento e promove o aumento da prescrição off-label.

Neste contexto, o uso alargado de antibióticos tem sido alvo de diversas políticas que desincentivam a prescrição excessiva de antibióticos com o fim de evitar o desenvolvimento de resistência aos antimicrobianos e de promover a sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde.

O problema da resistência bacteriana é reforçado pela falta de inovação em novas linhas de antibióticos capazes de tratar os processos infecciosos resistentes aos medicamentos disponíveis. Em parte, esta falta de inovação prende-se com a existência de políticas de restrição ao uso de antibióticos que, embora sendo essenciais para a promoção da saúde pública, diminuem as perspetivas de rentabilidade associadas ao desenvolvimento de medicamentos num modelo de negócio blockbuster que aposta na sua utilização generalizada.

Neste contexto, é fundamental o desenvolvimento de sistemas de incentivos que permitam a utilização adequada de antibióticos e simultaneamente fomentem a inovação nesta área.

A falta de incentivos no setor privado levou a que um outro grupo de organizações não lucrativas liderasse esta linha de I&D de novas terapias. Contudo, estas organizações carecem de fundos próprios e dependem de financiamento público e de doações para levar a cabo esta tarefa. Além de que são também frequentemente alvo de críticas pela sua ineficiência e pela falta de capacidade de trabalhar conjuntamente com o setor privado.

Consequentemente, a promoção da existência de medicamentos nestas áreas exige um investimento público sustentado que fomente o sistema de I&D levado a cabo por estas organizações, sendo também imperativa a existência de sistemas de incentivos que fomentem a colaboração com o setor privado.

Importa salientar que, de modo a mitigar as resistências bacterianas aos antimicrobianos, será crucial continuar a investir no controlo da utilização não adequada de antibióticos.

Neste contexto, uma forma de evitar a prescrição excessiva de antibióticos passa pelo investimento na recolha de dados clínicos relativos à eficácia de cada medicamento, para cada doença-alvo e subgrupo da população. Para tal, será crucial criar incentivos à investigação em biomarcadores e em novas tecnologias que permitam verificar a eficácia de um determinado antibiótico no tratamento de um doente com um determinado processo infeccioso.

Desta forma, os antibióticos poderiam ser utilizados de uma forma mais focada na infecção quando eficazes, e usados apenas em doentes que não apresentem resistência ao antibiótico usado. Uma vez que, por si só, a indústria não tem incentivos para inovar nesta área, cabe aos sistemas de saúde desenvolver sistemas de incentivos que estimulem o seu desenvolvimento e utilização.

Em paralelo, dever-se-ia desenvolver guidelines clínicas que indicassem o uso correto de antibióticos, conjuntamente com sistemas de incentivos que tenham como objectivo a adesão dos médicos a uma prática de prescrição baseada na eficácia individual. Nas áreas em que os antibióticos não forem essenciais (muitas vezes indevidamente utilizados em simples processos infecciosos não bacterianos, tais como a gripe comum), estas diretrizes deveriam promover a utilização dos novos medicamentos apenas nas situações em que os tratamentos existentes não sejam eficazes.

Por fim, a adesão dos doentes à terapêutica não “agressiva” teria também de ser alvo de análise, criando sistemas de incentivos, nomeadamente os baseados em ciência comportamental (que previna, por exemplo, a automedicação cada vez mais enraizada na população).

Marisa Miraldo

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)