Resistência de bactéria comum em hospitais teve maior queda da última década em Portugal 604

Resistência de bactéria comum em hospitais teve maior queda da última década em Portugal

03 de novembro de 2014

Menos de 100 anos depois de ter sido descoberta a penicilina, os antibióticos têm assistido a uma espécie de crónica de morte anunciada. Um relatório da Direção-Geral da Saúde (DGS) alerta mesmo para o «risco de extinção» destes medicamentos, caso as bactérias continuem a resistir-lhes.

Por isso, o coordenador do Programa Nacional de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos considera «muito positivo» que Portugal tenha conseguido, no ano passado, reduzir em 13% a resistência aos antibióticos da bactéria que mais frequentemente está associada a infeções nos cuidados de saúde. Para José Artur Paiva os resultados devem-se a um conjunto de medidas, como o facto de os médicos estarem a receitar menos «bombas atómicas», optando por «balas direcionadas».

Os dados avançados ao “Público” por José Artur Paiva fazem parte do relatório “Portugal: Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos em números – 2014”, que será apresentado nesta segunda-feira na Direção-Geral da Saúde e que traz dados especialmente animadores sobre o estafilococo áureo, que vive na nossa pele e cavidade oral, mas que em determinados momentos pode ser muito agressivo. Parte desses dados tinha já sido transmitida no site da DGS e divulgada pelo “Público”em setembro.

Para a maior parte das pessoas o nome é apenas uma expressão complicada mas, como explica o médico, «é das bactérias que mais frequentemente causam infeções associadas a cuidados de saúde e podem dar infeção em vários locais do corpo». E acrescenta: «Sabemos que está muito associada a precauções básicas de controlo de infeção, como higiene das mãos, higiene ambiental e bom uso das luvas».

O documento mostra que, pela primeira vez desde 2003, houve uma redução significativa da resistência do estafilococo áureo ao antibiótico meticilina (conhecido como MRSA), que fica agora nos 46,8%. Foi também a primeira vez, desde 2008, que se conseguiu recuar para uma taxa abaixo dos 50%. A incidência de infeções hospitalares pela presença desta bactéria no sangue também caiu 3% entre 2012 e 2013 no que diz respeito ao estafilococo na sua versão normal e 5% na versão resistente (MRSA), em especial em serviços de neonatologia e cuidados intensivos. A inversão da tendência acontece quando o programa de controlo tem apenas um ano e meio de existência. Mesmo assim Portugal tem dos piores resultados da União Europeia (UE), com valores comparáveis aos de Malta e da Roménia.

Além disso, no geral, 10% dos doentes ainda acabam por contrair uma infeção quando estão internados, quando a média da UE é de menos de 6%. «Este é um problema global do mundo civilizado. Temos uma população cada vez mais fragilizada nos últimos anos de vida e intervenções cirúrgicas cada vez mais complicadas em que o uso do antibiótico é uma peça fulcral», contrapõe José Artur Paiva. E explica: «O que se pretende é que sejamos capazes de escolher um antibiótico que garanta a cura da infecção, mas com o menor dano colateral possível».

O programa tem por isso desenvolvido ações junto dos profissionais de saúde, com sistemas informáticos com alertas e disponibilizando especialistas que podem aconselhar na escolha do fármaco, mas também apostado na sensibilização para regras de higiene. No ano passado os hospitais acabaram por prescrever quase menos um milhão de doses de antibiótico do que em 2012 e houve um decréscimo de infeções associadas às cirurgias da anca e joelho, ainda que tenham subido nas cesarianas e operações à vesícula biliar.

Outra das práticas que se tem tentado contrariar está no hábito de dar antibióticos antes das cirurgias, permanecendo a toma muito para lá da operação, já que Portugal está no “top 10” dos países que mais antibióticos consomem dentro e fora dos hospitais. Os dados de 2012 indicam que a chamada «profilaxia antibiótica cirúrgica», que serve para prevenir o aparecimento de infeções, em 64% dos casos era prolongada além das 24 horas. Os valores têm registado melhorias, mas ainda estão longe dos zero casos ideais. Para isso, foi criada, em dezembro de 2013, uma norma que «determina as cirurgias que carecem de profilaxia antibiótica e define os seus timings e doses» e que reforça que «não há qualquer razão para profilaxias» com «duração superior a 24 horas».

O coordenador do programa nacional usa uma metáfora para ajudar a compreender o que é preciso mudar. «Quando surge uma infeção não faz sentido usarmos uma bomba atómica. Podemos fazer uma seleção de um antibiótico que funcione como uma bala, apenas dirigido à bactéria que está a causar a infeção», exemplifica. Em causa está a escolha entre um antibiótico de chamado «largo espectro» ou de «pequeno espetro». E os médicos, tanto no uso nos hospitais como no que receitam para o doente aviar nas farmácias, estão a aderir às «balas». «Pela primeira vez ao fim de dez anos tivemos uma diminuição de 10% no rácio entre os antibióticos de pequeno espetro versus os de largo espetro, o que significa que estamos a receitar antibióticos mais dirigidos», diz o coordenador, que salienta a queda da venda das chamadas quinolonas nas farmácias de rua e das «bombas atómicas» carbapenemes nos hospitais.

Quanto a diferenças no uso de antibióticos fora dos hospitais, os distritos com menor consumo são Castelo Branco, Beja, Faro, Setúbal, Braga e Guarda. Pelo contrário, Lisboa, Coimbra, Leiria, Porto, Portalegre e Aveiro têm o consumo destes fármacos mais elevado de todo o país.

José Artur Paiva considera que uma parte do trabalho está também nas mãos dos cidadãos. «Uma sociedade mais informada sobre os riscos da toma de antibióticos consome menos e tem menos resistência aos antibióticos e as infeções são mais fáceis de tratar. A toma de um antibiótico é um ato de enorme responsabilidade e as pessoas devem saber que não devem ser tomados em doenças como constipações, gripes e rinites, até porque não fazem nada. E mesmo em amigdalites e faringites na maior parte das vezes não são necessários».