Retenção de talentos: Moda do momento ou apenas o básico da boa gestão? 1150

Nos últimos anos, a questão da retenção de talentos tem sido um dos tópicos mais discutidos nos Conselhos de Administração, Board Meetings e Comités de Direção das empresas, independentemente do sector de atividade. Workshops, seminários e uma infinidade de artigos surgem quase diariamente, oferecendo dicas e estratégias para manter os melhores profissionais nas organizações. No entanto, argumentar que esta questão é uma preocupação, embora legítima, reflete uma hipocrisia institucional. Afinal, uma empresa bem gerida sempre teve de pensar na retenção de talentos, independentemente das tendências do mercado. Líderes que descobriram hoje a retenção de talentos pode revelar empresas em que o ambiente de trabalho é, no mínimo,   suspeito, considerando que a cultura empresarial pode demorar anos a ser alterada para melhor. Para pior é mais fácil e substancialmente mais rápido.

 

A Retenção de Talentos: Uma Necessidade Permanente

A retenção de talentos não é uma questão moderna. Trata-se de uma necessidade intrínseca à gestão empresarial desde sempre. Empresas que prosperaram ao longo de décadas souberam reconhecer e valorizar os seus colaboradores, oferecendo condições de trabalho atraentes, oportunidades de crescimento e um ambiente de respeito e reconhecimento. A diferenciação agora não está na necessidade, mas na forma como esta é abordada. Claro que, muitas vezes e por inabilidade da própria gestão, colaboradores sem potencial de desenvolvimento ou com performance abaixo da média ou mediana acabam por ser mantidos, fruto de relações interpessoais discriminatoriamente positivas ou o seu oposto: permitir ou incentivar a saída de colaboradores de alto rendimento mas percecionados como ameaças para as lideranças.

Historicamente, empresas bem-sucedidas entenderam que o seu ativo mais valioso são as pessoas. Henry Ford, por exemplo, aumentou os salários dos seus trabalhadores na década de 1910 para reduzir a rotatividade e aumentar a produtividade. Isto não foi uma ação de caridade, mas sim uma estratégia de negócio. O mesmo se aplica a muitas outras empresas que prosperaram ao longo do tempo, independentemente das modas ou tendências empresariais. Podemos abordar esta questão pelo prisma financeiro, mas sabemos igualmente que o salário emocional que advém de novas oportunidades, bom ambiente (pelo qual todos somos responsáveis), incluir verdadeiramente as pessoas nos processos de decisão e fazê-las parte dele são tópicos que dariam, por si só, muitas outras linhas de leitura.

 

A Hipocrisia das “Novas” Estratégias

A grande questão é: por que motivo a retenção de talentos se tornou um tema tão em voga nos últimos tempos? A resposta pode estar na hipocrisia do reconhecimento tardio. Muitas empresas, ao longo dos anos, negligenciaram as boas práticas de gestão de pessoas. A pressão competitiva do mercado e as mudanças tecnológicas expuseram a fragilidade destas empresas na retenção de talentos, obrigando-as a correr atrás do prejuízo.

Estratégias como planos de carreira personalizados, benefícios adicionais (mas personalizados), ambientes de trabalho flexíveis e a promoção de uma cultura organizacional positiva são agora propagandeadas como soluções inovadoras. No entanto, estas são práticas que empresas e lideres de sucesso já aplicam há décadas. A diferença está na reação de empresas que, outrora negligentes, tentam agora adaptar-se rapidamente para evitar a perda de profissionais qualificados.

 

O Papel das Novas Gerações

Outro fator a considerar é a entrada das novas gerações no mercado de trabalho. Os Millennials e a Geração Z têm expectativas diferentes em relação ao trabalho, priorizando o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, o propósito e a flexibilidade. Esta mudança forçou muitas empresas a repensarem as suas abordagens. Contudo, empresas que sempre valorizaram o bem-estar dos seus funcionários já estavam à frente, implementando políticas que atendem a estas novas demandas antes mesmo de serem consideradas tendências.

 

O Valor da Autenticidade

As empresas que verdadeiramente valorizam os seus talentos não precisam de campanhas publicitárias (internas ou externas) ou modismos para demonstrar o seu compromisso. São autênticas nas suas práticas e reconhecem o valor dos seus colaboradores diariamente. Empresas que somente agora correm atrás de estratégias de retenção de talentos podem ser vistas como reativas e não genuínas, o que pode ser percebido pelos próprios funcionários. Os melhores embaixadores das empresas, os seus melhores RP (relações publicas) são os seus colaboradores. Quando eles próprios necessitam de ser convencidos de que a retenção de talento é importante é porque na realidade ele não existe. Ou não existiu em determinado momento, fazendo com que num certo período, um número de talentos mais ou menos significativo, tenha abandonado a empresa.

A retenção de talentos não é uma preocupação nova, mas uma necessidade intrínseca de uma gestão empresarial eficaz. A recente moda em torno deste tema pode, em muitos casos, refletir uma tentativa “desesperada” de empresas em corrigir anos de negligência. No entanto, é fundamental que as empresas compreendam que a verdadeira retenção de talentos não está em seguir tendências, mas em construir uma cultura organizacional sólida, baseada no respeito, reconhecimento e valorização dos seus colaboradores. Somente assim, de forma autêntica e consistente, será possível manter os melhores profissionais e garantir a sustentabilidade e sucesso a longo prazo.

Não se trata de uma moda. Deve trata-se de um ato básico de gestão diária!

João Carlos Serra                                                                                                                                                                    Senior Healthcare Consultant HCO, Industry Investors and Pharma