Partidos Políticos e a Saúde: As acusações trocadas, as urgências encerradas e o setor privado 319

O tema Saúde não reúne consenso entre os vários partidos políticos. O NETFARMA compilou o que têm defendido, nos últimos dias, e as acusações que têm trocado.

 

PSD: “PS tem de meter a mão na consciência”

O líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, afirmou, ontem, à Lusa, que “o PS tem de meter a mão na consciência. O desafio de recuperar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) do colapso que resultou dos últimos oito anos é enorme e precisa da ajuda de todos”.

No dia em que os socialistas iniciaram uma ronda por unidades de saúde para avaliar os efeitos de encerramentos nas urgências de ginecologia e obstetrícia, Hugo Soares acrescentou ainda que o PS, “em vez de se aproveitar dos problemas que deixou, tem de meter a mão na consciência” e “mesmo o PCP e o BE não estão inocentes”.

As declarações de Hugo Soares surgem após o PS ter anunciado no domingo que iria pedir reuniões com os hospitais que estão com urgências encerradas e apelado ao primeiro-ministro, Luís Montenegro, para que apresente medidas que respondam às dificuldades do Serviço Nacional de Saúde.

 

PS: Não aceita lições do PSD

“Ao longo dos últimos meses, aquilo que nós temos visto é o Governo trazer instabilidade para o SNS, em vez de cuidar de ultrapassar as dificuldades e, quando no início deste mandato, o Governo procurou questionar as funções da direção executiva, mudar a direção executiva e a sua forma de trabalhar, criou uma pressão adicional sobre o verão, que é agora hoje visível, com muito pouca transparência no funcionamento das urgências e muita instabilidade na resposta aos cidadãos”, defendeu, ontem, também de acordo com a Lusa, a deputada socialista Mariana Vieira da Silva.

A ex-ministra falava aos jornalistas no Hospital Santa Maria, em Lisboa, depois de uma comitiva de deputados socialistas se ter reunido esta tarde com a administração daquela instituição.

Interrogada sobre o desafio feito por Hugo Soares, Mariana Vieira da Silva declarou que “não aceito lições do PSD nesta matéria. Porque o que nós estamos a viver é um agravar da situação face ao ano passado. E esse agravar da situação face ao ano passado decorre de se terem desmontado as estruturas e a organização que o professor Fernando Araújo e a direção executiva estavam a fazer das urgências”.

A ex-ministra dos governos de António Costa e agora deputada afirmou que nunca fugirá a responsabilidades do Governo do PS, “mas era o que faltava não poder acompanhar a forma como os problemas são resolvidos no terreno e não poder criticar”.

Mariana Vieira da Silva salientou que “há na perspetiva do PSD uma dimensão de investimento na relação com o setor privado e não de reforço no investimento do setor público e o PS não acompanha”, contudo, os socialistas estão disponíveis para falar sobre questões de carreiras dos profissionais de saúde.

“Agora, não podemos esconder que aquilo a que assistimos a partir de março foi um desmontar do que estava feito, o afastamento de pessoas, a criação de instabilidade que começa na direção executiva e acaba no INEM”, sublinhou.

Na opinião da socialista, o Governo criou a expectativa de resolução de um problema complexo em 60 dias, cabendo-lhe agora responder pelas expectativas que criou “e não cumpriu” deixando os serviços “pior do que estiveram no verão passado”.

“Sabemos que o problema não é novo, mas o problema tem instrumentos para ser enfrentado, como seja a dedicação plena, os centros de responsabilidade integrada, mecanismos que permitam pagar mais aos profissionais para assim os poder fixar nos territórios”, defendeu.

 

PCP: Acusa PS, PSD e CDS de quererem “deixar a cair a obstetrícia e ginecologia no SNS”

“Já há um pacto de regime entre o PS, PSD e CDS que é deixar cair a obstetrícia e a ginecologia no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Foi isso que fizeram no Governo anterior, é isso que este Governo está a fazer”, acusou Bernardino Soares, membro do Comité Central do PCP, numa conferência de imprensa na sede nacional do partido, em Lisboa, refere a Lusa.

O dirigente comunista considerou que “a gravíssima situação dos blocos de partos e urgência de obstetrícia do SNS é um desastre há muito anunciado e, mais do que isso, uma consequência esperada e desejada da política de saúde do atual e do anterior Governo”.

Salientando que, este fim de semana, “a maioria das maternidades da região de Lisboa e Vale do Tejo estiveram encerradas”, além de as grávidas de Leiria terem sido remetidas para o Porto até dia 19, Bernardino Soares considerou que esta situação “muito grave” não tem qualquer resposta no programa de emergência para a saúde apresentado pelo Governo.

Nesse programa, “no fundamental, consta mais uma linha telefónica, mais incentivos para os profissionais que fizerem mais partos do que a média anterior – sem que se se saiba se e quando isso vai acontecer – e, claro, mais contratação de privados. De resto, a opção do Governo é assistir impavidamente à degradação das condições de atendimento”, acusou.

O dirigente do PCP defendeu que “a situação que se viveu este fim de semana, e que se prolongará, só tem solução de fundo com a melhoria das condições de remuneração e carreira dos profissionais de saúde”.

“O que se exige do Governo são medidas concretas, imediatas e urgentes que respondam a uma situação insustentável que coloca em risco a saúde e a vida das mulheres grávidas. O que se exige é que o primeiro-ministro e a ministra da Saúde divulguem ao país as medidas a adotar”, defendeu.

Bernardino Soares perguntou em particular ao Governo quando é que vai contratar “os recém-especialistas formados em abril, designadamente na especialidade de ginecologia e obstetrícia” e quantos profissionais de saúde pretende “contratar a curto prazo para os serviços de ginecologia e obstetrícia do SNS”.

O dirigente comunista disse ainda que, no PS, há quem queira “sacudir a água do capote” sobre o que se está a passar no SNS, mas acrescentou que se pode dizer, “sem falsa ironia”, que “as críticas que PS faz ao PSD e que PSD faz ao PS são ambas verdadeiras porque eles são cúmplices na situação a que se chegou”.

Questionado como é que vê o apelo, feito pelo líder parlamentar do PSD, para uma convergência alargada entre os partidos para salvar o SNS, Bernardino Soares respondeu: “Mas o que é que é salvar o SNS para o PS e o PSD?”.

“O que me parece é que, para eles, o pacto é entregar mais partes do SNS ao setor privado. Para esse pacto, não contem com o PCP”, frisou, acrescentando que se quiserem “melhorar as remunerações base dos profissionais de saúde”, as condições de progressão na carreira e diminuir a carga horária, podem contar com o partido.

 

Chega: Considera que plano para a saúde falhou

“O que temos na Saúde é explosivo. Não houve reorganização dos serviços, não houve acordos com os profissionais que os satisfaçam e estamos com uma afluência turística grande a juntar à afluência de imigrantes”, sustentou, ontem, André Ventura, em declarações aos jornalistas, no início de uma visita ao mercado do Livramento, em Setúbal.

“Todos os dias tivemos notícias perturbadoras do funcionamento do sistema de saúde, desde grávidas a quem é negada assistência nas Caldas da Rainha a pessoas que esperam horas e horas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. É momento para dizer que este plano falhou”, apontou, citado pela Lusa.

André Ventura considerou que o Governo “tem de ter a humildade de, num tema tão importante como este, voltar a olhar para situação e ver o que está mal”.

“O que está mal não é só injetar dinheiro, isso já o PS fazia, é mesmo a reorganização dos serviços médicos”, sustentou o presidente do Chega exortando o primeiro-ministro e a ministra da Saúde a interromperem férias, se for caso disso, para olharem para o que se está a passar nas urgências em Portugal.

O presidente do Chega alegou que “as pessoas estão novamente muito inquietas sobre o funcionamento da saúde como estavam há um ano atrás” e que o atual Governo “nada mudou nesta matéria”.

André Ventura advogou uma descentralização dos serviços, com escalas de funcionamento apropriadas e com boa comunicação.

“Os serviços funcionarão melhor em todos os distritos se as pessoas souberem onde se dirigir e não andarem tontamente à procura de um serviço aberto à uma ou duas da manhã. Precisamos de descentralizar, pagar melhor e reorganizar os serviços com melhor comunicação”, disse.

 

BE: Exige que primeiro-ministro “quebre silêncio” e apresente soluções para urgências encerradas

“É um acumular de casos, são as populações que não estão a ser servidas continuamente e, obviamente, perante o silêncio da senhora ministra [da Saúde], o primeiro-ministro tem a obrigação de quebrar esse silêncio e de apresentar soluções para estes problemas, não pode continuar com esta barreira de silêncio e sem dar respostas às pessoas”, defendeu a deputada do BE, Marisa Matias, na segunda-feira, em declarações à Lusa.

A deputada bloquista criticou o plano de emergência para a saúde apresentado pelo governo PSD/CDS-PP no final de maio, afirmando que “não se traduziu em nenhuma melhoria desta situação, pelo contrário”.

“Não se está a avançar na contratação dos perfis que são necessários – aliás, concursos profissionais com este Governo têm sido todos atrasados – não há uma aposta nos profissionais, nas carreiras, no preenchimento das vagas e, portanto, obviamente a situação agrava-se”, considerou.

Além de criticar o atual executivo minoritário, Marisa Matias responsabilizou também a anterior governação do PS pelo encerramento de urgências, lembrando que os socialistas decidiram “que seria uma boa opção a rotatividade das urgências”.

“Na altura o PSD criticou muito este modelo das urgências ‘pisca-pisca’ e assim que assumiu o poder não só deixou de criticar, como passou a achar que era normal. E tem feito uma enorme confusão em relação às urgências, porque primeiro quis retirar a informação do acesso público, depois afinal depois de muitas críticas e denúncias voltou a colocar essa informação ao público, mas cheia de erros, como foi aliás denunciado, erros em relação às urgências que estariam abertas ou não, e agora temos visto uma sequência de casos graves”, sustentou.

Para o BE, “têm sido cometidos vários erros” no que toca ao SNS nos últimos anos mas “um transversal e infelizmente agravado é o do desinvestimento”.

“O Governo apresentou um plano de emergência do SNS onde não fala de investimentos, onde não refere praticamente a questão das carreiras, das contratações, da valorização dos profissionais e fala muito naquelas páginas de privatização, de transferência para privados. Nós percebemos que há aqui claramente uma intenção de fragilizar ainda mais o SNS para poder ainda passar mais para os privados”, acusou Marisa Matias.