Todos somos diariamente confrontados, em diversos aspetos da nossa vida, com uma das crises mais graves de que há memória coletiva. À crise sanitária desencadeada pela COVID-19, com as suas nefastas consequências (as conhecidas e as que ainda falta conhecer), soma-se uma crise económica cujo termo de comparação é a Segunda Guerra Mundial e respetivas réplicas no tecido produtivo.
A conjugação das duas é um cocktail verdadeiramente explosivo para uma outra crise. Esta é mais silenciosa, menos discutida e menos vísivel; contudo, nem por isso (ou talvez por isso) tem deixado de se agravar de forma progressiva e continuada há largos anos. Refiro-me à saúde mental. O apelo recente da Diretora da Organização Panamericana de Saúde, Carissa Etienne, demonstra bem a magnitude do problema: “a pandemia da COVID-19 provocou uma crise de saúde mental na nossa região de uma escala nunca antes vista (…)”[1]. Sabemos que este fenómeno não é exclusivo das Américas – é, em si mesmo, uma outra pandemia, agravada pelo vírus que nos confinou e às nossas vidas.
Já muito ouvimos falar sobre a estimativa (provavelmente, subestimação) de que 20% dos portugueses sofrerão, no decurso da sua vida, de um episódio de doença mental. Os aumentos na venda de antidepressivos e ansiolíticos[2], pese embora não sejam caraterizadores da população e constituam apenas uma aproximação, dão-nos uma noção da direção e velocidade da evolução da saúde mental no nosso país.
Há alguns passos dados na direção certa que é preciso reconhecer, dos quais o mais notório é, provavelmente, a linha de aconselhamento psicológico do SNS24. Desde o seu início a 1 de abril até ao dia 20 de julho, esta linha recebeu 23.590 chamadas de profissionais de saúde e utentes[3]. Tal como no caso dos fármacos acima mencionados, a tendência será a de um crescimento significativo das chamadas nos próximos meses. Os números aumentarão com a crescente ansiedade sobre a nossa condição de saúde e a dos que nos são próximos, da incerteza sobre o trabalho e o rendimento e, no geral, com o facto de não sabermos quando regressaremos à vida como ela era antes.
Porém, estes são apenas os primeiros passos. Para além da evidente necessidade de uma melhor capacitação dos cuidados de saúde primários para assumirem o seu papel na linha da frente deste combate pela nossa saúde e da sua articulação com os cuidados de saúde secundários (designadamente hospitais), precisamos de criatividade e colaboração entre setor privado, setor público, e setor social. Esta conjugação de fatores é particularmente propícia na inovação social, onde já existem algumas respostas em projetos como o ‘acalma.online’, o ‘Manicómio’[4], ou o ‘SER Mental’[5].
Precisamos, igualmente, de apostar fortemente na inteligência artificial para promover a saúde mental. Esta ‘família’ de tecnologias poderá providenciar ganhos muito significativos para os doentes, por exemplo, através de chatbots ou de ferramentas de reconhecimento comportamental, sendo expetável o aumento da inovação com a criação de estruturas como o Espaço Europeu de Dados de Saúde[6]. Tal pressupõe, evidentemente, que se assegure a privacidade, proteção e segurança destes dados, bem como que o acesso aos mesmos está bem regulamentado e que estas ferramentas seguem diretrizes éticas claras.
Os diagnósticos estão feitos, o problema é claro e as soluções estão definidas. O desafio é titânico, urgente e inadiável. Cabe-nos agora decidir: o que faremos com o tempo que nos é dado?
[1] https://www.paho.org/en/news/18-8-2020-countries-must-expand-services-cope-mental-health-effects-covid-19-pandemic-paho
[2] https://www.rtp.pt/noticias/pais/durante-a-pandemia-aumentou-a-venda-de-antidepressivos-em-portugal_v1252209
[3] https://www.sns.gov.pt/noticias/2020/07/20/covid-19-aconselhamento-psicologico/
[4] https://eco.sapo.pt/2020/04/29/social-good-summit-pandemia-acentuou-relevancia-da-saude-mental/
[5] https://inovacaosocial.portugal2020.pt/project/ser-mental/
[6] https://ec.europa.eu/info/sites/info/files/communication-european-strategy-data-19feb2020_en.pdf
Diogo Nogueira Leite
Economista
(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores)