Saúde Mental em tempos de crise 978

Em 2008, a Europa entrou num período de crise económica em que vários países enfrentaram o declínio do seu Produto Interno Bruto, o aumento da dívida pública e um aumento dos custos de financiamento.

A crise atingiu de forma mais severa alguns países da União Europeia tais como Portugal, Grécia e Irlanda, os quais receberam ajuda financeira externa. Também as famílias enfrentaram problemas emergidos pela crise económica tais como o desemprego, a insegurança no trabalho e a redução salarial. Adicionalmente, e de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), os níveis de pobreza e exclusão social pioraram nomeadamente ao nível dos grupos que já se encontravam em risco antes da crise. [1]

É comummente aceite que o estado de saúde dos indivíduos está associado, não só ao seu contexto socioeconómico, mas também ao seu nível de educação e ao acesso e uso dos serviços de saúde. [2] Alterações a estes determinantes podem refletir-se na saúde dos indivíduos, nomeadamente na sua saúde mental. [3] Desta forma, é importante perceber as consequências que a recente crise económica teve ao nível do bem-estar mental das populações. Mas o que é a saúde mental? A OMS define saúde mental como o bem-estar de cada indivíduo para reconhecer o seu potencial, conseguir lidar com os desafios da vida e contribuir para a comunidade. Um emprego estável, segurança no trabalho, apoios sociais e hábitos de vida saudáveis são alguns factores que contribuem para uma melhor saúde mental das populações. [4]

Estudos recentes apontam para uma possível associação entre a crise económica e pior saúde mental das populações. Grupos mais vulneráveis como os desempregados, pessoas com dificuldades financeiras, indivíduos já com doenças mentais e famílias com crianças apresentam-se como os grupos mais vulneráveis aos efeitos da crise. [5,6]

Em Portugal, e com base nos resultados preliminares do projecto “Crisis Impact”, há evidência de um aumento significativo da prevalência de doenças mentais entre 2008 e 2015. Este estudo também evidencia uma associação entre o aumento da prevalência de doenças mentais e o desemprego, privação financeira e diminuição de rendimentos. [7]

Adicionalmente, e uma vez que Portugal registou uma elevada taxa de desemprego sobretudo ao nível dos jovens, um estudo baseado em inquéritos, conduzidos na região de Lisboa entre 2014 e 2015, reporta uma relação negativa entre a saúde mental auto-reportada e o desemprego. Indivíduos com maior grau de escolaridade reportam pior saúde mental em situação de desemprego. Uma possível explicação apresentada pelos autores é o facto de pessoas com mais anos de escolaridade terem maiores expectativas face às oportunidades de emprego, as quais não são satisfeitas pelo mercado de trabalho. No entanto, não é possível perceber se este efeito foi devido à crise económica ou se a crise económica apenas o exacerbou. [8]

Desta forma, indivíduos desempregados e com um nível de escolaridade mais elevado podem ser um grupo vulnerável, que merece atenção especial do Governo.

De forma a mitigar as consequências da crise económica na saúde mental dos indivíduos, os Governos devem implementar políticas coordenadas que promovam o emprego e fomentem a saúde mental. Igualmente importante, são os subsídios de desemprego. Indivíduos que vivem em países com maiores subsídios reportam melhor bem-estar durante o desemprego, quando comparados com os indivíduos que vivem em países onde esses benefícios são menos generosos. [9]

Desta forma, e apesar dos sistemas de segurança social sentirem maior pressão devido à crise, políticas que promovam apoios sociais não devem ser esquecidas. Portugal tem implementado algumas políticas de promoção do emprego, nomeadamente do emprego jovem. Ao nível da saúde mental também algumas medidas foram implementadas durante este período, nomeadamente ao nível dos cuidados continuados. Desta forma, será interessante perceber o efeito destas políticas na saúde mental da população. Será que conseguiram efectivamente mitigar os efeitos da crise?

Maria Ana Matias,
Nova School of Business and Economics

Referências:

[1] WHO. Poverty social exclusion and health systems in the WHO European Region. Copenhagen. 2010.

[2] WHO. Health Impact Assessment. The determinants of health. URL: http://www.who.int/hia/evidence/doh/en/

[3] Marmot M, Allen J, Bell R, Bloomer E, Goldblatt P. WHO European review of social determinants of health and the health divide. The Lancet. 2012 Sep 21;380(9846):1011-29.

[5] WHO. Mental Health: a state of well-being. URL: http://www.who.int/features/factfiles/mental_health/en/

[4] WHO. Impact of economic crises on mental health. Geneva: The Regional Office for Europe of the World Health Organization. 2011.

[5] Parmar D, Stavropoulou C, Ioannidis JP. Health outcomes during the 2008 financial crisis in Europe: systematic literature review. BMJ. 2016 Sep 6;354:i4588.

[6] Frasquilho D, Matos MG, Salonna F, Guerreiro D, Storti CC, Gaspar T, Caldas-de-Almeida JM. Mental health outcomes in times of economic recession: a systematic literature review. BMC public health. 2016 Feb 3;16(1):1.

[7] In Observador: http://observador.pt/2016/11/25/perturbacoes-mentais-aumentaram-com-a-crise-e-ja-atingem-um-terco-da-populacao/

[8] Barros PP, Matias MA, Moura A. 2.5 Desemprego jovem e auto percepção de saúde mental. Território e Saúde Mental em tempos de Crise. 2015 Oct.

[9] McKee-Ryan F, Song Z, Wanberg CR, Kinicki AJ. Psychological and physical well-being during unemployment: a meta-analytic study. Journal of applied psychology. 2005 Jan;90(1):53.