Saúde mental em tempos de Orçamento do Estado 1987

Nos últimos anos, a saúde mental tem tido especial destaque no Orçamento do Estado para a Saúde. No orçamento do estado (OE) de 2020 atribuíram-se cerca de 10,6 milhões de euros para a criação de equipas de saúde mental comunitárias, transferência de doentes agudos de hospitais psiquiátricos para os hospitais gerais e contratação de respostas de saúde mental nos cuidados continuados [1]. No OE de 2021, são atribuídos à saúde mental 19 milhões de euros que se destinam à criação de equipas de saúde mental comunitárias, ao desenvolvimento de programas de prevenção e tratamento da ansiedade e depressão, à continuidade do processo de transferência de doentes agudos de hospitais psiquiátricos para hospitais gerais e à criação de respostas residenciais para pessoas com perturbações mentais crónicas residentes nos hospitais psiquiátricos [2]. Em ambos os OE, estas verbas são alocadas à saúde mental com o objectivo de prosseguir a implementação do Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016 (PNSM).

O PNSM foi aprovado em 2008 e a sua última avaliação foi feita em 2017 [3]. Nesta avaliação, foram identificados vários constrangimentos à implementação do PNSM, nomeadamente, a inexistência de incentivos para a realização de intervenções comunitárias, a débil implementação da Rede de Cuidados Continuados Integrados de Saúde Mental e um modelo de financiamento e gestão inadequados às necessidades do sector. Também, neste documento, propuseram-se várias medidas (“propostas prioritárias”) com o objectivo de estender o PNSM até 2020. Entre essas propostas estão a modificação do modelo de gestão e organização dos serviços de saúde mental, incluindo o pagamento dos serviços de saúde mental e respectivo financiamento; a conclusão da transferência de doentes agudos dos hospitais psiquiátricos para os hospitais gerais; e a criação de equipas/unidades de SM comunitária.

É possível verificar que as verbas alocadas à saúde mental através do OE visam implementar algumas das propostas prioritárias do PNSM. No entanto, é preciso ter uma visão mais global do que é proposto neste plano. Por exemplo, não basta criar equipas comunitárias se não se incentivar a realização de intervenções comunitárias. Se há verbas para o desenvolvimento de programas de tratamento da depressão e ansiedade, então é necessário (re)pensar a articulação dos serviços locais de saúde mental com os cuidados de saúde primários, uma vez que deverá ser nestes últimos que estes programas deverão ser desenvolvidos [4]. Assim, é crucial que estas verbas venham acompanhadas por medidas estruturais senão caímos no erro de continuar com medidas avulsas sem resultados eficientes.

Num futuro próximo será importante avaliar o PNSM à luz dos investimentos que têm sido realizados nos últimos anos, de forma a averiguar se estas verbas se traduziram em mudanças estruturais.

 

Maria Ana Matias

(A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.)

 

Referências
[1] Ministério da Saúde (2020). Nota Explicativa do OE 2020.
[2] República Portuguesa, XXII Governo (2020). OE2021, Orçamento do Estado. Proposta de lei e relatório.
[3] Comissão Técnica de Acompanhamento da Reforma da Saúde Mental (2017). Relatório de Avaliação do Plano Nacional de Saúde Mental 2007-2016 e propostas prioritárias para a extensão a 2020.
[4] J. Perelman et al. (2018). Reforming the Portuguese mental health system: an incentive-based approach. International Journal of Mental