Saúde Sexual na Farmácia: O primeiro patamar de uma abordagem delicada 520

De acordo com os resultados do questionário SHAPE, da Organização Mundial da Saúde, mais de 50% dos portugueses estão insatisfeitos ou muito insatisfeitos com a sua vida sexual e aproximadamente 20% reportaram dificuldades sexuais associadas a sofrimento. A disfunção erétil é um exemplo de como a disponibilidade e o aconselhamento farmacêutico podem fazer a diferença numa doença que requer o conhecimento prévio de eventuais patologias concomitantes.

Quando abordamos a questão da sexualidade na Farmácia, é inevitável pensar no papel primordial do farmacêutico ao nível da contraceção. Muitas vezes, é na Farmácia que são feitas as primeiras perguntas sobre determinado método contracetivo e esclarecidas muitas dúvidas. Mas a sexualidade é um tema bastante mais abrangente. Como refere o psicólogo clínico e sexólogo Fernando Mesquita, “não é por acaso que a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu sexualidade como uma energia que nos motiva para encontrar o amor, o contacto físico, a ternura e a intimidade; ela integra-se no modo como sentimos, movemos, tocamos e somos tocados; é ser-se sensual e ao mesmo tempo sexual”.

A sexualidade “acompanha-nos desde o nosso primeiro dia até ao fim dos nossos dias”. Talvez por isso, é “um dos temas que mais desperta a atenção” e também um dos que está “mais envolto em mitos e tabus”.

Neste âmbito, Fernando Mesquita congratula-se que os profissionais de saúde “estejam cada vez mais consciencializados” para as questões relativas à sexualidade. Na sua perspetiva, “profissionais como médicos, farmacêuticos e sexólogos desempenham um papel fundamental ao apoiar a população sobre as questões associadas à sexualidade, principalmente por sabermos que muitas pessoas ainda sentem vergonha ou embaraço em começar a falar abertamente sobre estas questões”.

Felizmente, vemos no mercado uma grande variedade de produtos (preservativos, geles e lubrificantes) para satisfazer as preferências e necessidades do maior número de pessoas”. Esta evolução “tem ajudado a desmistificar a utilização deste tipo de produtos e reflete uma maior naturalidade na promoção das questões de saúde sexual”.

 

“Disponibilidade e sensibilidade” fazem a diferença na vida das pessoas

Na opinião do psicólogo clínico, os farmacêuticos comunitários, “por serem frequentemente o primeiro ponto de contacto, desempenham um papel muito importante na promoção da saúde sexual. É natural que em algumas situações se sintam desarmados, mas através de escuta ativa e empatia serão certamente um forte apoio nestas situações. Ao demonstrarem disponibilidade e sensibilidade, estão a fazer uma diferença significativa na vida das pessoas que os procuram”. Por outro lado, “devem ter em consideração que a colaboração com outros profissionais de saúde é essencial para oferecerem uma resposta mais completa e eficaz”.

Pela sua experiência profissional, Fernando Mesquita afirma que “muitas vezes, as pessoas procuram soluções rápidas para a resolução das suas dificuldades. Dos casos que tenho acompanhado, é comum os homens mostrarem interesse em suplementos para a performance sexual (capacidade de ter ou manter a ereção, evitar ejaculação precoce) e nas mulheres para aumentar o desejo sexual. No entanto, cada vez mais é comum os homens também referirem interesse em suplementos para aumentar o desejo ou a ‘energia’ sexual”.

Frequentemente, “os suplementos ‘naturais’ são vistos como ‘inofensivos’, o que nem sempre é verdade, e uma abordagem menos ‘química’ que os fármacos”. Aqui, o aconselhamento do profissional de saúde é essencial, até porque “atualmente, é possível encontrarmos na Internet milhares de produtos que prometem resolver as dificuldades sexuais (disfunção erétil, ejaculação prematura, desejo sexual, dificuldade no orgasmo – anorgasmia, entre outras). Acontece que, na melhor das hipóteses, muitos destes produtos não tem qualquer efeito (exceto levar a pessoa a gastar dinheiro), sendo que em muitos casos as próprias pessoas colocam a sua saúde em risco ao tomar determinados produtos criados em laboratórios ilegais”.

 

Mais de metade dos portugueses estão insatisfeitos

De acordo com os resultados do Questionário de Avaliação das Práticas e Experiências de Saúde Sexual – SHAPE, criado pela Organização Mundial da Saúde em 2023, 53,3% dos portugueses sentem-se insatisfeitos ou muito insatisfeitos com a sua vida sexual.

Traduzido em várias línguas, o SHAPE foi implementado a nível mundial com uma amostra representativa junto da população portuguesa pelo Grupo de Investigação em Sexualidade e Género do Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP). A amostra envolveu 2 010 pessoas com mais de 18 anos (47,9% homens e 52% mulheres), na sua maioria casadas (59,5%).

O estudo indica que a maioria da população portuguesa (74%) inicia a sua vida sexual entre os 15 e os 21 anos, com uma média de 18,9 anos. Além disso, 34,9% dos inquiridos afirmaram não ter tido qualquer atividade sexual nas quatro semanas anteriores à participação no estudo, e a média de relações sexuais foi de 5,3 vezes nesse período.

O estudo também revelou dados sobre a discriminação, com 37,7% da população LGBT+ a relatar terem sido vítimas de preconceito devido à sua orientação sexual. Quanto à violência sexual, 9% relatou que foi forçada ou ameaçada a realizar atos sexuais contra a sua vontade, e 1,8% indicou que foi coagida na sua primeira experiência sexual. As mulheres são três vezes mais propensas a serem vítimas de violência sexual do que os homens, enquanto as pessoas LGBT+ são seis vezes mais vitimizadas do que a população heterossexual e cisgénero.

O SHAPE mostrou ainda que 20% das pessoas reportaram dificuldades sexuais associadas a sofrimento. Entre os problemas mais comuns, destacam-se as dificuldades de ejaculação nos homens (11,7%) e de orgasmo nas mulheres (11,3%), seguidas por dor sexual nas mulheres (10,7%), baixo desejo sexual (10,6%) e disfunção erétil (10,4%).

Isabel Hermenegildo, médica de Clínica Geral especializada em Genitoestética, admite que a disfunção erétil é “uma realidade frequente, mas de difícil abordagem por parte dos pacientes, que se sentem inseguros em mencionar a situação ao seu profissional de saúde”. Alguns estudos mencionam que “os números em Portugal serão de aproximadamente 500 000 homens, o que corresponde a 13%”. Contudo, dada a “dificuldade na comunicação deste problema”, a especialista receia que esta percentagem possa ser apenas “a ponta do icebergue”.

De uma forma sucinta, a médica explica que “a disfunção erétil corresponde à incapacidade de ter uma ereção que permita uma atividade sexual satisfatória”. A maioria dos homens, num momento ou outro da sua vida, “já teve um episódio destes”, mas “só se pode pensar neste diagnóstico quando ocorre de forma repetida por mais de seis meses”.

Nesta circunstância, “cerca de 50% dos homens entre os 40 e os 70 anos podem apresentar algum grau de disfunção erétil, podendo atingir os 85% acima dos 75 anos de idade”.

 

Causas incluem aterosclerose e neuropatia diabética

Na grande maioria dos casos, “conseguimos atualmente uma solução positiva”. Mas, primeiro, “o médico deverá descobrir qual a situação ou situações que poderão estar por trás dos sintomas”. Estes sinais “podem manifestar-se de forma progressiva, mas também de forma espontânea. A duração, as situações em que ocorre e quando ocorre, podem ser dados importantes para perceber se a causa é psicológica, física ou ambas”.

A lista das causas mais frequentes de disfunção erétil é bastante extensa: “alterações dos vasos sanguíneos ou nervos penianos; alterações hormonais; anomalias nas estruturas do pénis; problemas psicológicos e uso de certos medicamentos, drogas ou álcool”.

Isabel Hermenegildo chama ainda a atenção para “a ateroesclerose, neuropatia diabética, colesterol elevado, hipertensão arterial, obesidade e tabagismo”. A associação com a doença coronária, “também é frequente, até pela presença concomitante da aterosclerose”, sem esquecer a “doença de Parkinson”, a “esclerose em placas”, ou que “nalgumas situações de cirurgias da próstata, os nervos podem ser danificados”.

No âmbito das causas psicológicas, “encontramos a ansiedade de desempenho e depressão, ansiedade simples, stress, perturbações no sono, dificuldades no relacionamento conjugal, etc.”.

 

Maioria dos casos pode ser resolvida

O tratamento adequado “dependerá, obviamente, das causas e da sua gravidade”. Os resultados da história clínica e da pesquisa sobre cada situação individual, “vão condicionar uma parte do tratamento”, das recomendações sobre “hábitos alimentares, peso, consumo de álcool, hábitos tabágicos” ou “eventuais alterações nos medicamentos prescritos nas doenças crónicas já existentes”.

O tratamento com “inibidores da 5-fosfodiesterase por via oral é normalmente o primeiro passo”. Existem vários fármacos no mercado sujeitos a receita médica, “geralmente tomados com o estômago vazio uma hora antes da atividade sexual”, mas “o médico também pode aconselhar usar uma baixa dose diária, exceto no caso de homens que tomem nitratos por doença coronária ou nitrato de amilo recreativo”.

Se não for possível obter o resultado desejado “pode ser feita a colocação de gel intra-uretral de alprostadil, bem como injeção a nível da região lateral do pénis antes da atividade sexual, um procedimento que o médico ensina o paciente a efetuar, por forma a ter autonomia”.

“A reposição hormonal com testosterona é outra possibilidade”, até porque “pode ser ministrada por métodos não invasivos: dispositivos mecânicos, anel de constrição, bomba de vácuo, ou uma associação de métodos, para aumentar a duração da ereção”. Em último recurso, “existe a possibilidade de efetuar uma cirurgia de implantação de prótese”.

O aconselhamento psicológico, a terapia sexual e terapia de casal “podem ser bons complementos de outras formas de tratamento da disfunção erétil, sobretudo quando existem causas psicológicas associadas, ampliando os resultados obtidos”.

A especialista assinala ainda que, além destas abordagens, “nos últimos tempos, surgiram tratamentos dentro do âmbito da medicina regenerativa, tais como Plasma Rico em Plaquetas (PRP), botox, ondas de choque, radiofrequência ou carboxiterapia”.

Na perspetiva de Isabel Hermenegildo, os farmacêuticos comunitários “têm um papel de grande relevância no auxílio a prestar aos homens que, temporariamente ou de forma crónica, padecem desta patologia”. Nomeadamente, aconselhando-os a procurar um médico porque “existem fármacos que podem estar correlacionados com a situação e que só o médico assistente poderá alterar”. Por outro lado, “o uso concomitante de nitratos e inibidores de 5-fosfodiesterase (PDE5) é contraindicado e pode ser perigoso”.

 

Artigo originalmente publicado na edição de fevereiro da revista FARMÁCIA DISTRIBUIÇÃO (#385).