Seguros de saúde privados: o que já sabemos e o que ainda falta saber 1487

Muito se tem discutido sobre o financiamento e a sustentabilidade do sistema de saúde português. Um dos tópicos frequentemente discutidos prende-se com o crescimento do número de pessoas cobertas por seguros de saúde privados. Uma análise recentemente publicada pelo Observatório da Despesa em Saúde faz um primeiro esforço no sentido de enquadrar a discussão sobre os seguros de saúde privados no sistema de saúde português.

Verifica-se que o número de apólices de seguros de saúde privados mais que duplicou desde do início do século, podendo cobrir atualmente mais de 30% da população. Apesar disso, paradoxalmente, em 2020, estes seguros representaram menos de 4% da despesa em saúde.

A mesma análise demonstra também que o crescimento dos seguros de saúde privados tem ocorrido sobretudo por substituição com a proteção conferida por subsistemas privados, não tendo sido encontrada uma relação com a evolução da despesa do SNS. Finalmente, verifica-se que este crescimento não foi acompanhado por uma redução significativa dos pagamentos diretos feitos pelas famílias.

As relações identificadas pela referida análise levantam um conjunto de perguntas sobre o papel dos seguros de saúde privados no sistema de saúde. Uma melhor compreensão desse papel implicará a resposta a, pelo menos, três questões.

Em primeiro lugar, seria relevante conseguir estimar o número de indivíduos com múltiplas coberturas. As estatísticas agregadas de seguros de saúde permitem apenas identificar o número de apólices. Contudo, uma pessoa pode ter simultaneamente mais do que um seguro de saúde. Por essa razão, os 30% da população segura poderão estar ligeiramente sobrestimados.

Em segundo lugar, importa perceber as razões para a desproporção verificada entre a população coberta (mais de 30%) e o valor financiado por seguros privados (menos de 4% da despesa em saúde). Uma hipótese é a maior cobertura de uma população mais jovem e mais saudável, que consome poucos cuidados de saúde. Uma outra hipótese é a utilização de seguros para financiar cuidados de saúde relativamente baratos (por exemplo, consultas ou exames), utilizando outros mecanismos de financiamento (por exemplo, o SNS ou subsistemas) para o financiamento de cuidados mais complexos.

Em terceiro lugar, na sequência desta última hipótese, importa compreender o tipo de cuidados financiados pelos seguros de saúde privados, e sua relação com os pagamentos diretos feitos pelas famílias (parte destes pagamentos resultam precisamente de copagamentos associados aos seguros). Isto é fundamental para compreender se os seguros apresentam uma duplicação, uma supletividade ou uma complementaridade face à proteção conferida pelo SNS. De facto, os seguros podem permitir financiar atividade que anteriormente era paga diretamente pelas famílias (sendo esse o caso, deveríamos observar uma redução dos pagamentos diretos das famílias). Ou financiar nova procura por cuidados de saúde (que não existia anteriormente).

A resposta a estas questões é essencial para melhor compreendermos o papel que os seguros de saúde privados têm, e podem vir a ter, no financiamento do sistema de saúde português.

Eduardo Costa
Nova School of Business and Economics
Professor e Investigador em Economia da Saúde