Sem a regulamentação dos apoios previstos, o Estatuto do Cuidador Informal (ECI) transforma-se “numa mão cheia de nada”, defendem associações representativas dos cuidadores, que estão preocupadas com o desconhecimento em relação aos seus direitos.
“Há uma falta de regulamentação relativamente a medidas de apoio. Isto como foi feito é um estatuto que é uma mão cheia de nada. Foram feitas muitas promessas, mas na prática as coisas ainda estão muito aquém e longe do que foi devidamente legislado. Todas as medidas de apoio que já deviam estar devidamente orientadas ainda não estão e carecem urgentemente de uma apreciação muito mais profunda”, disse à Lusa Nelida Aguiar, porta-voz do Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais.
Numa altura em que passa um ano da implementação do ECI e do projeto-piloto que em 30 concelhos já permite que os cuidadores que requeiram o reconhecimento dessa condição recebam um apoio financeiro pelos cuidados prestados, a também representante da Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI) sublinha que o estudo hoje divulgado pelo Movimento, que demonstra que os apoios ainda por regulamentar são necessários, nomeadamente ao nível de apoio aos cuidados e apoio psicológico e emocional.
Destaca a necessidade de apoio que permita tempos de descanso e férias aos cuidadores, mas também de conciliação com a vida pessoal e familiar – que o estudo aponta como ‘uma das vítimas’ da necessidade de assumir o papel de cuidador – mas também com a vida profissional, referindo que nesta matéria “há uma série de ações em termos de concertação social” ainda por concretizar.
E também a necessidade de apoio psicológico, muito apontado no estudo como uma dificuldade sentida pelos cuidadores. A pandemia, sublinhou Nelida Aguiar, veio agravar problemas de saúde mental, com a mudança de rotinas, o encerramento de muitas respostas sociais, que levou também a um grande crescimento do número de cuidadores, forçados a abandonar o emprego para tomar conta de pessoas dependentes.
“Cuidar tem um impacto negativo na saúde mental, no bem-estar e na qualidade de vida. Este estudo refere um dado interessante que é o facto de precisarem de descanso e férias regulares e de quererem recuperar os hábitos que tinham, as rotinas que tinham antes de iniciar a função de cuidadores, que lhes aloca todo e disponibilidade social e mental. Falamos também nas famílias”, resumiu, por seu lado, Catarina Alvarez, psicóloga da Associação Alzheimer Portugal e representante do Movimento Cuidar dos Cuidadores Informais.
O distanciamento imposto pela pandemia de covid-19 e o agravamento do isolamento social de cuidadores e pessoas cuidadas vieram agravar esse quadro de saúde mental, acrescentou, referindo que as mulheres, que representam mais de 80% dos cuidadores informais, são mais propensas a sintomas de ansiedade e depressão.
É preciso, por isso, defende a psicóloga, não só trabalhar em estratégias para lidar com a situação como melhorar a formação e capacitação dos cuidadores informais na prestação de cuidados.
Demências, como a doença de Alzheimer, são a principal causa da necessidade de cuidadores informais e Catarina Alvarez entende que a prioridade nos apoios é criar um sistema que atue de forma “precoce e integrada”, garantindo apoios desde o primeiro momento e que evoluam conforme as necessidades que as doenças imponham.
“O que acontece é que quando as pessoas, quando o seu familiar recebe um diagnóstico de demência, ficam um bocadinho perdidas, sem saber para onde se dirigir. Ainda não temos um sistema, uma forma de intervir, que garanta à pessoa cuidada e ao cuidador um percurso relativamente suave no que diz respeito à prestação de cuidados. As necessidades de início não são as de uma fase mais tardia da doença”, sublinhou.
Ainda que considere a implementação do ECI “um avanço indesmentível”, tal como Nelida Aguiar, a psicóloga da Associação Alzheimer pede regulamentação que “torne a letra da lei em apoios efetivos”, notando que “passado um ano a maioria dos cuidadores ainda não está a beneficiar do leque alargado de medidas que consta deste diploma”.
Ambas concordam também que o estatuto padece de uma quase invisibilidade junto dos cuidadores informais, em boa parte, defendem, por falta de divulgação, prevista, mas pouco concretizada, mas também por desinteresse, face à falta de utilidade de uma lei que não se traduz em ajudas e requer muita burocracia só para se chegar ao reconhecimento do estatuto.
“Com todas as vicissitudes e dificuldades, apesar de tudo, o processo está a andar. O que queremos é que velocidade aumente e se deem passos mais rápidos para recuperar o tempo perdido, para fazer avaliação crítica dos projetos piloto e poder corrigir e melhorar a legislação, com mais apoios concretizados”, disse Catarina Alvarez.
Sobre isto, Nelida Aguiar disse que o estatuto a nível nacional “pode aprender” com os estatutos próprios das regiões autónomas, que têm condições, em algumas matérias, mais favoráveis, nomeadamente ao permitirem o reconhecimento do estatuto de cuidador a pessoas que não tenham grau de parentesco com a pessoa dependente.
“É não ter noção da realidade. Nós temos muitos vizinhos a cuidar de vizinhos, pessoas conhecidas, pessoas que não têm qualquer grau de parentesco e que mesmo assim prestam este tipo de apoio. Neste momento o estatuto como está regulamentado é extremamente limitativo e exclui a maior parte dos cuidadores”, criticou.