SICAD: Debate sobre regulação do uso social da canábis deve ser alargado a todas substâncias ilícitas
26 de junho de 2018 O diretor-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), João Goulão, defendeu ontem que o debate sobre a regulação do uso recreativo da canábis deve ser alargado a todas as substâncias ilícitas. Regular o uso da canábis para uso social e recreativo é «uma discussão que está a ocorrer um pouco por todo o mundo» e que deve acontecer num curto prazo em Portugal, tendo já havido algumas tentativas tímidas de discutir esta questão a par do seu uso para fins terapêuticos, disse João Goulão à agência “Lusa”, considerando que foi «um ganho significativo» ter-se separado essa discussão. Para o especialista, essa discussão deve englobar todas as substâncias ilícitas. «Quando fomos pioneiros e tomámos a opção de alterar o quadro legal de uso de substâncias em Portugal, fizemo-lo para todas as substâncias e foi com uma inspiração humanista de restituir aos utilizadores de substâncias ilícitas a mesma dignidade que têm pessoas com outras doenças», afirmou João Goulão, à margem do III Congresso do SICAD, que decorre até quarta-feira em Lisboa. Agora devia haver «o mesmo tipo de abrangência», disse, explicando que «se a lógica que presidiu à descriminalização de todas as substâncias foi de considerar que aquilo que verdadeiramente importa é a relação que o cidadão estabelece com a substância e não a substância ela própria, não vejo porque motivos havemos de conferir aos produtos de canábis um estatuto diferente dos das outras substâncias e isto porque não acredito, e cada vez mais a evidência científica aponta para isso, que a designação de drogas leves e drogas duras não faz sentido». Para João Goulão, trata-se de «uma questão filosófica», mas também de discutir o papel que o Estado deve assumir na limitação do acesso a determinadas substâncias ou se deve deixar «ao arbítrio do cidadão supostamente informado essa capacidade». «É para esse tipo de discussão que este tema nos remete» disse o médico, sublinhando que não tem «uma posição fechada» sobre o assunto. «Não tenho uma posição fechada, longe de mim, acredito na bondade da regulação em alguns aspetos, nomeadamente no controlo da qualidade, mas também receio que venhamos a incluir na panóplia de substâncias disponíveis mais uma ou mais várias sem sabermos exatamente que impactos isso venha a ter», frisou. O médico aconselhou uma «atitude de prudência» e de acompanhamento das experiências que estão a acontecer noutros países, como no Uruguai ou no Canadá, e ter prova científica acerca dos impactos ao nível da saúde individual e coletiva. «Hoje não estamos pressionados para mudar a todo o custo, temos de ter tempo para criar alguma distância e acompanhar essas experiências”, disse, salientando que quando o consumo de drogas foi despenalizado em 2000, Portugal estava “perante uma situação catastrófica, não é o caso hoje». O que está em discussão é perceber se é mais eficaz um quadro de regulação ou um quadro de liberalização como o que existe agora em que «a compra e a venda de canábis só dependem das leis do mercado sem que haja qualquer interferência a regular essa relação», salientou. Trata-se de perceber se conferir à canábis, ou a outras substâncias, um estatuto semelhante àquele que tem o tabaco ou o álcool, em que «o Estado interfere, controla a qualidade, regula os pontos de venda, as idades, as formas de acesso às substâncias», tem um impacto positivo ou negativo no seu uso. |