A introdução de um imposto sobre produtos alimentares cujo consumo é tido como sendo prejudicial para a saúde foi recentemente alvo de debate em Portugal, após ter sido avançada pelo Governo como uma possível solução a adotar de forma a equilibrar as contas públicas no setor da saúde. A ideia em si não é nova pois, já em 2011, o bastonário da Ordem dos Médicos tinha feito uma proposta no mesmo sentido. Estes impostos, tipicamente designados como sin taxes, incidem sobre produtos altamente processados, com elevado teor de gordura, açúcar ou sal e baixo valor nutricional. Produtos como refrigerantes, batatas fritas e a chamada “comida de plástico” são o alvo habitual. Os impostos que atualmente vigoram sobre as bebidas alcoólicas e o tabaco são exemplos de sin taxes. A sua popularidade deve-se ao facto de os sin taxes contribuírem para atenuar dois dos maiores problemas presentemente enfrentados pelo Serviço Nacional de Saúde: o desequilíbrio financeiro do sistema e o custo que cidadãos com hábitos alimentares e estilos de vida menos saudáveis no presente representam num horizonte temporal mais alargado. Por um lado, os sin taxes constituem uma fonte de receita adicional que, a ser direcionada para o setor da saúde, contribui positivamente para o seu equilíbrio financeiro. Por outro, funcionam como mecanismo para levar os consumidores a fazer escolhas alimentares mais saudáveis no presente, capazes de potenciar ganhos de saúde no futuro e, portanto, conter o crescimento dos gastos com cuidados de saúde. No entanto, aumentar a receita fiscal e promover a adoção de comportamentos mais saudáveis por parte dos indivíduos nem sempre são objetivos compatíveis. Um relatório do Adam Smith Institute, no Reino Unido, sugere que, na prática, os sin taxes sobre o tabaco e o álcool são mecanismos geradores de receita fiscal eficazes, produzindo efeitos moderados em termos de alteração de comportamentos. O fator chave por trás deste resultado é a falta de sensibilidade dos consumidores a variações no preço dos produtos abrangidos pelo imposto em questão – a rigidez da procura, na gíria de um economista. Os produtos abrangidos pelos sin taxes não têm uma natureza essencial, embora alguns possam causar dependência. No caso especifico das bebidas alcoólicas, estima-se que um imposto de 10% sobre o preço das mesmas leve a uma redução de 4,4% no seu consumo global. Este valor cai para 2,8% entre consumidores intensivos. Evidência de que os indivíduos que mais deveriam reduzir o seu consumo são os menos sensíveis a aumentos de preço também foi encontrada para o caso do tabaco. Finalmente, importa notar que os sin taxes, ao contrário de outros impostos, visam proteger os cidadãos das suas próprias ações. Daí que, quando se discute este tipo de impostos, seja frequentemente abordada a questão da liberdade dos agentes relativamente às suas escolhas de consumo. Em relação a este aspeto, há que ter em consideração que a opção de adquirir os bens sobre os quais incidem os sin taxes não é retirada aos indivíduos, simplesmente é criado um mecanismo que a torna menos atrativa. A evidência acerca da eficácia dos sin taxes como mecanismo de alteração de comportamentos aponta em direções distintas. Há, contudo, espaço para aprender com a experiência de outros países. O caso da Dinamarca é particularmente interessante pois este foi o primeiro país a introduzir um imposto em função da percentagem de gordura saturada contida nos alimentos. O imposto foi introduzido em 2011 e vigorou apenas durante 15 meses. Para além de ter falhado como estratégia de alteração dos hábitos alimentares da população (80% dos dinamarqueses não alterou a sua lista de compras habitual), este criou problemas adicionais, desde o desenvolvimento de mercados ilícitos ao agravamento de custos administrativos e aumento de compras transfronteiriças. Deve ainda dar-se especial atenção aos grupos populacionais mais desfavorecidos que, por terem regimes alimentares menos saudáveis, serão os mais afetados pelo imposto. Estes e outros efeitos indesejados não podem ser descurados aquando da avaliação do impacto da introdução de uma medida desta natureza, devendo ser criados mecanismos para minimizar a probabilidade da sua ocorrência. Adicionalmente, importa realizar uma análise profunda para adaptar a medida ao contexto português, avaliando que produtos estão inequivocamente associados com as principais causas de morte no nosso país, de que forma se espera que os consumidores reajam ou qual a melhor forma de especificar o imposto. Ana Moura Referências: 1) Snowdon, C. (2012). The wages of sin taxes (Report). Disponível no sítio do Adam Smith Institute: http://www.adamsmith.org/sites/default/files/research/files/The%20Wages%20of %20Sin%20Taxes%20CJ%20Snowdon%20ASI_0.pdf 2) Snowdon, C. (2013). The proof of the pudding – Denmark’s fat tax fiasco (IEA Current Controversies Paper no. 42). Disponível no sítio do Institute of Economic Affairs: http://www.iea.org.uk/sites/default/files/publications/files/The%20Proof%20of%20the%20 Pudding.pdf (A coluna Notas da Nova é uma contribuição para a reflexão na área da saúde, pelos membros do centro de investigação Nova Healthcare Initiative – Research. São artigos de opinião da inteira responsabilidade dos autores.) |