Em 2023, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) registou uma diminuição de 387 milhões de euros na dívida a fornecedores externos, atingindo um valor de 1,2 mil milhões de euros, sendo, segundo um documento apresentado hoje pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP), a primeira redução após três anos de consecutivo aumento.
Este decréscimo refletiu-se tanto na “redução da dívida vincenda quanto da dívida vencida das EPE e das ARS”. No entanto, os pagamentos em atraso aumentaram para 141 milhões de euros, um incremento de 122 milhões de euros face a 2022, o que reflete, segundo o documento, “a deterioração financeira das EPE e a necessidade de uma melhor gestão e processos de pagamentos mais ágeis”.
O prazo médio de pagamento diminuiu para 96 dias, mas apenas 26% das entidades do SNS conseguiram cumprir a obrigação legal de pagar até 60 dias.
Défice de mais de 400 milhões de euros
O SNS apresentou um défice de 435,1 milhões de euros no ano passado, o que representou, contudo, “uma melhoria de 631,5 milhões de euros face a 2022”. Esta evolução é explicada “por um aumento da receita (+1 524 milhões de euros face a 2022) superior ao aumento da despesa (+892 milhões de euros)”.
O aumento da despesa do SNS, que ascendeu a 14 061 milhões de euros deveu-se, essencialmente, ao crescimento da despesa corrente (que representa 97,4% do total) em 761,8 milhões de euros face a 2022. Esta concentra-se, essencialmente, em três rubricas: despesas com pessoal, fornecimentos e serviços externos (FSE) e compras de inventários.
Atividade hospitalar insuficiente para a procura
O Conselho das Finanças Públicas adiantou ainda que, em 2023, a atividade hospitalar do SNS “aumentou, mas de forma insuficiente para satisfazer a procura”.
Assim sendo, “o maior número de consultas médicas hospitalares face a 2022 (em 3,9%) e de cirurgias (em 7,7%) não foi suficiente para evitar o aumento expressivo do número de utentes em lista de espera para a primeira consulta em 2023 (em 46% face ao ano anterior), bem como o número de utentes em “Lista de Inscritos para Cirurgia” (em 13%)”.
Por outro lado, o documento revelou que os serviços de urgência e de internamento continuaram a registar diversos constrangimentos. Nos episódios de urgência, “o cumprimento dos tempos de triagem apenas aconteceu em 60% dos casos (61% em 2022). No internamento, observou-se uma taxa média de ocupação de 91%, superior à taxa de 86% registada em 2022 e a maior dos últimos 10 anos – salientando-se, no entanto, que esta taxa de ocupação engloba situações bastante discrepantes nas várias regiões do país”.
1,7 milhões de utentes sem médico de família
No ano passado, o número de utentes do SNS aumentou, de acordo com o documento citado, para 10,6 milhões inscritos, dos quais 1,7 milhões de utentes (16%) não tinham médico de família atribuído. Face a 2022 trata-se de mais 230 mil utentes nesta situação.
Porém, como refere o Conselho das Finanças Públicas, o volume total de consultas médicas realizadas nos cuidados de saúde primários “diminuiu pelo segundo ano consecutivo. Esta redução ficou a dever-se ao menor volume de consultas não presenciais (-6,3%), ainda que se tenha registado um ligeiro aumento das consultas presenciais (+0,8%)”.
Cuidados continuados: maior a procura do que a oferta
No âmbito da Rede Nacional Cuidados Continuados Integrados, “o maior número de utentes assistidos em 2023 não foi suficiente para responder ao aumento do número de utentes referenciados nesse ano”.
Apesar de terem sido assistidos, como é declarado no documento, mais 1585 utentes face ao ano anterior, o número de utentes em lista de espera no final de 2023 era superior ao registado no ano precedente, situando-se em 1804.
O aumento de 317 lugares na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados em 2023 resulta, segundo o CFP, “do aumento das respostas domiciliárias, uma vez que as respostas que visam a institucionalização dos utentes diminuíram neste ano, existindo menos 17 camas de internamento face a 2022”.
Riscos e incertezas
Uma vez que o SNS enfrenta riscos e incertezas que condicionam o seu desempenho de curto e médio prazo, assim como a sua sustentabilidade futura, o CFP deixou alguns alertas:
– Os constrangimentos da atividade dos cuidados primários, que “poderão pressionar os serviços de urgência e internamento, obrigando por vezes os hospitais a redirecionar recursos da atividade programada para acudir aos episódios de urgência”.
– “A saturação do acesso à resposta pública de saúde, que tem como consequência para os utentes que necessitam de cuidados de saúde o risco de aumento das suas necessidades de saúde por satisfazer, reportadas por 40% da população portuguesa em 2019, de acordo com a OCDE, o valor mais elevado da UE.”
– A baixa diversificação das fontes de financiamento do SNS, que “num contexto de crescimento da despesa pública em saúde e das crescentes necessidades de uma população envelhecida, pode gerar desafios significativos de sustentabilidade para o sistema”.
– A dependência quase exclusiva de verbas do OE para o financiamento do SNS pode, que pode “limitar a sua capacidade de resposta a crises emergentes ou a necessidades imprevistas”.
– O crescimento acentuado da despesa do SNS em áreas como os gastos com o pessoal e medicamentos hospitalares, que “exige a maximização da eficiência e previsibilidade no uso dos recursos. É essencial melhorar o planeamento dos recursos do SNS e reforçar os mecanismos de controlo e avaliação dos serviços e das equipas, promovendo uma gestão mais eficaz e a responsabilização de todos os envolvidos”.
– “Garantir o aproveitamento pleno dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) com a concretização atempada das reformas e investimentos nele previstos. Utilizar integralmente as verbas do PRR e maximizar o impacto dos investimentos é essencial para corrigir debilidades existentes e avançar com as reformas propostas.”