Somos feitos de quê? 1461

“Os contos servem para adormecer as crianças e despertar os adultos” –  Hans Christian Andersen

Storytelling é uma das palavras que ocupa, atualmente, um espaço importante no universo da comunicação. É quase impossível ouvir um responsável de uma marca falar durante alguns minutos sem dizer que a sua principal preocupação é o storytelling.

Confesso que este fenómeno desperta-me algumas surpresas. A primeira é porque é que com uma língua tão rica tivemos que importar uma palavra inglesa para isto… Acho que só mesmo a nossa velha mania de nos colocarmos em posição inferior a tudo o que vem de fora o pode explicar. Ainda mais surpreendente é continuar a ver inúmeras pessoas falarem do ato de contar histórias como se fosse algo inovador.

Na verdade, contar histórias é algo que fazemos desde sempre. E desde sempre que as histórias são importantes para nós. Basta lembrar que era através das histórias à volta fogueira que os nossos antepassados partilhavam as suas experiências e o seu saber, sendo essas informações fulcrais porque podiam implicar, por exemplo, lições importantes sobre a busca de alimento e, desse modo, fazer a diferença entre o sucesso e o insucesso na luta pela sobrevivência.

Há quem creia que essa é uma das razões porque o nosso cérebro reage com especial interesse quando percebe que está na presença de uma história. É como se tivesse ficado registado em nós que é importante tomar especial atenção quando alguém nos conta uma história.

A outra tem a ver com o facto de as histórias activarem as regiões do nosso cérebro ligadas às emoções, o que torna a experiência de uma história muito mais completa e enriquecedora. Já parou para pensar porque é que nos sentimos tristes quando a personagem de que gostamos, num filme que estamos a ver, morre? Racionalmente, nós sabemos que aquilo é tudo a fingir. Até conhecemos, muito provavelmente, o actor que interpreta aquele papel e sabemos que, naturalmente, não lhe aconteceu nada. No entanto, a parte emocional do nosso cérebro está envolvida e, por isso, reage. Brené Brown resumiu isto numa frase maravilhosa: as histórias são apenas dados; mas com alma.

Uma amiga minha partilhou há uns tempos a seguinte frase: “a ciência diz que somos feitos de moléculas, mas um pássaro disse-me que somos feitos de histórias”.

O pássaro tinha razão.

João Barros,
Professor Convidado na Escola Superior de Comunicação Social e
Investigador no Centro de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa